Vale tudo para garantir a maioria da UNE?
Estamos diante do início do processo para o 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes. Este congresso acontece em um momento singular da conjuntura brasileira, sendo o primeiro após a derrota eleitoral do projeto genocida e autoritário de Bolsonaro, que governou o Brasil pelos últimos quatro anos. Essa vitória democrática tão importante para toda uma geração evitou um enorme retrocesso, mas não pode significar que a luta contra a extrema-direita e por uma saída à crise econômica chegaram ao fim. As manifestações do dia 08 de janeiro em Brasília, e os ataques que se multiplicaram nas escolas nas últimas semanas mostram que a luta contra a extrema-direita precisa seguir com centralidade. Além disso, é necessário seguir lutando contra o legado do bolsonarismo nas universidades, pela recomposição orçamentária, pela ampliação do número de bolsas de assistência estudantil, contra os interventores federais nomeados por Bolsonaro, contra os 40% de aulas EaD no ensino presencial, e contra as mensalidades abusivas, atacando os grandes bilionários da educação que buscam lucrar sobre a precarização das condições de ensino de milhões de estudantes. Neste sentido, o congresso da UNE será o momento de articulação de milhares de estudantes para debater e decidir as melhores formas de levar essas reivindicações a cabo, e queremos, com essa contribuição, abrir o debate fraterno acerca de como tem se conduzido a organização deste processo.
Os estudantes, tão protagonistas na derrota de Bolsonaro, precisam agora protagonizar a luta em defesa da educação e pela construção de uma país radicalmente diferente do legado que o bolsonarismo deixou. Para este grande desafio, será necessária a participação dos estudantes na casa dos milhares, organizados em Centros e Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais de Estudantes, ou quaisquer outras formas de organização. A força do movimento estudantil não está localizada nos acordos de cúpula, mas na participação massiva dos estudantes na construção de um movimento que expresse a diversidade de opiniões e setores, num processo democrático de discussão, debaixo para cima.
Infelizmente, não é este caminho que tem sinalizado as primeiras e importantes movimentações capitaneadas por movimentos que seguem uma lógica de garantir suas posições na UNE a qualquer custo qualquer – particularmente setores da atual direção majoritária da entidade. Na véspera do Conselho Nacional de Entidades Gerais, que decidirá sobre o funcionamento do Congresso, e sobre quais entidades estão aptas a organizar as eleições para o Congresso em suas universidades, temos visto um processo de fundação em massa de DCEs de grandes universidades privadas em diversos estados do país. Estes processos têm ocorrido sem praticamente nenhuma divulgação prévia, publicização de edital, ou mesmo comunicado aos setores do movimento estudantil dessas universidades; em sua ampla maioria, os estudantes são surpreendidos com uma urna de votação em chapa única, sem sequer saber que a entidade máxima de representação de sua universidade estava sendo fundada, tampouco tendo sido chamado a construí-la. Ao invés de contribuir para a organização da luta dos estudantes, estes processos, na verdade, têm contribuído para a burocratização e a restrição da democracia desta luta.
No que tange à realidade das universidades privadas, que hoje correspondem mais de ¾ do total de estudantes do ensino superior, compreendemos que em muitos casos existe um desafio adicional para a organização de entidades estudantis em função do assédio político e da perseguição capitaneada pelas reitorias, que atuam visando a desorganização do movimento estudantil. Nestes casos, é necessária de maneira ainda mais decisiva a articulação unitária dos diversos setores do Movimento Estudantil em defesa das entidades estudantis, exatamente o oposto ao que vem acontecendo, em que uma força política busca capitanear sozinha o processo de construção do DCE visando quase unicamente ter vantagens na organização das eleições para a tiragem dos delegados do Congresso da UNE.
A razão que leva a ser ainda mais importante controlar o DCE dessas universidades, se dá por outras medidas antidemocráticas que já existiam nos últimos congressos, como por exemplo um número mínimo de integrantes para inscrição de chapa que fosse correspondente ao número total de delegados e de primeiros suplentes da universidade, e/ou a exigência de que existam integrantes de todos os campi ou polos para que se possa inscrever uma chapa. Para exemplificar: a Uninove, em São Paulo, elegeu 128 delegados no último Congresso, em 2019. Para se inscrever uma chapa na universidade, era exigido um número mínimo de 256 membros. Isso, na prática, inviabiliza a inscrição de chapas alternativas à chapa organizada pelos movimentos que estão no DCE da universidade, confiscando a pluralidade de opiniões do movimento estudantil em função da imposição de uma cláusula de barreira. Não bastasse isso, as datas de inscrição de chapa e de eleição de todas essas universidades são colocadas para o mesmo dia, costumeiramente logo na primeira semana de eleições, somente três dias após o lançamento do edital de eleição. Uma lógica artificial e esvaziada de debate e mobilização com o intuito apenas de controle burocratico do processo de tiragem dos delegados. Assim, hoje, na prática, é mais fácil, até mesmo em termos de critérios numéricos de participação estudantil, fundar um DCE com gestões de um ou mais anos nessas universidades do que inscrever uma chapa para o Congresso da UNE. Gostaríamos de questionar, fraternalmente, por que os estudantes das universidades privadas não podem ter direito a conhecer programas alternativos aos dos referidos movimentos. Os companheiros dos movimentos consideram que contribui para a politização do movimento estudantil que todas as eleições nas principais universidades privadas do país, em posse dos grandes conglomerados internacionais de educação, sejam feitas ao mesmo tempo, na primeira semana de eleições?
Nós acreditamos que não, e entendemos que esse debate precisa ser feito com mais calma e profundidade nos fóruns do Movimento Estudantil. Acreditamos que, diante do novo governo Lula e dos desafios que estão colocados, é importante que a UNE assuma uma posição de independência, e para isso é fundamental fortalecer seus fóruns. A UNE se fortaleceu e cresceu em tamanho e alcance pelo acerto político em se posicionar como linha de frente na luta contra o Governo Bolsonaro. Este crescimento traz consigo novas responsabilidades, por exemplo uma maior transparência e publicização dos processos de eleição para o Congresso da UNE, assim como mais espaço para que a diversidade do movimento estudantil se expresse também nas eleições para o Congresso. Se as eleições são proporcionais, ou seja, cada chapa elege o número de delegados proporcionalmente ao número de votos que teve, por que impor regras draconianas de inscrição que, no fundo, impedem o direito de minoria? Acreditamos que as regras para inscrição de chapa em qualquer universidade não podem inviabilizar a expressão das diferentes opiniões presentes no movimento estudantil. Não podemos ser nós aqueles que defendem a lógica do pensamento único. Por isso, acreditamos que as regras que balizam o funcionamento e as disputas dos fóruns da UNE não devem jamais servir à inviabilização do debate nem impedir a escolha entre diferentes projetos por parte dos estudantes.
Por todos esses motivos, acreditamos que é fundamental estabelecer parâmetros mais democráticos e transparentes para a organização do Congresso da UNE. A UNE é dos estudantes e não pode se resumir aos interesses de qualquer organização política.
Assinam essa nota:
Fabiana Amorim, Diretora de Políticas Educacionais da UNE
Camila Barbosa, diretora de Movimentos Sociais da UNE
Movimento Juntos!
Movimento Correnteza
União da Juventude Comunista