TESES PARA O 16º CONEB - Construir o futuro: UNE na luta pela universidade popular e pela redução da jornada de trabalho
Convocamos todos os estudantes brasileiros que estejam dispostos a construir e lutar por um programa de independência de classe para o movimento, a partir dos debates da Universidade Popular e fomentando a Revolução Socialista no Brasil.

Conjuntura
A eleição da chapa Lula-Alckmin, em 2022, representou uma vitória eleitoral contra as forças de extrema-direita organizadas em torno da candidatura de Jair Bolsonaro e seu vice, o general Braga Netto. A campanha eleitoral vencedora foi construída em torno de uma frente ampla com setores da burguesia e seus partidos tradicionais, de tal forma que uma série de compromissos com os interesses econômicos da burguesia deveriam ser cumpridos. Ao mesmo tempo, diversas promessas foram feitas à classe trabalhadora, como a “revisão” das reformas trabalhista e da previdência, o fim do Teto dos Gastos, a isenção no imposto de renda até R$5 mil etc. Fiel aos seus compromissos com a frente ampla burguesa, o governo tem ido na contramão dos interesses populares.
No 2º semestre de 2024 foram reveladas ao público informações sobre mais uma tentativa golpista da extrema-direita aliada a grandes figuras do Exército e da política brasileira. Generais, tenentes-coronéis, ex-ministros e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro planejavam assassinar o recém-eleito presidente Lula, o seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. O planejamento do golpe continha planos de envenenamento, uso de artilharia de guerra e a implementação de um governo militar. Toda essa ação fora planejada para dezembro de 2022, logo após as eleições que estabeleceram Lula como o futuro presidente e Jair Bolsonaro como candidato derrotado. Apesar de não ter logrado seu grande objetivo final, é imprescindível pontuar que os planos tinham assinatura do alto escalão das forças armadas e do Poder Executivo bolsonarista.
Mesmo assim, não houveram iniciativas concretas de enfrentamento a esses setores. Na verdade, os militares e os grandes empresários financiadores das tentativas de golpe (incluindo o episódio de 8 de janeiro de 2023) seguem intocados. A extrema-direita brasileira segue acumulando forças e poder, seja por dentro das instituições da democracia burguesa (como expresso nas eleições municipais), seja conspirando contra as mesmas.
Isso acontece porque tanto o Governo como a esquerda liberal hegemônica (representada pelos setores governistas que orbitam o PT e que constroem o campo majoritário da UNE) se negam a fortalecer táticas de resposta à ameaça golpista a partir da mobilização e organização ativa da população, deixando que a defesa dos direitos e conquistas da classe trabalhadora, ameaçados pela agenda golpista, fique refém do culto a instituições como o STF, instituição que, no entanto, legitima cotidianamente ataques aos direitos democráticos e sociais da classe trabalhadora. Exemplos disso incluem o que foi feito com o Piso da Enfermagem, o desmonte da legislação trabalhista e a derrubada da liminar que impedia a ampliação das Escolas Cívico-Militares.
O golpismo que emerge dos setores mais reacionários da própria burocracia estatal, em conluio com a grande burguesia, não será derrotado com ações judiciais: precisa ser intimidado e esmagado pela democracia exercida nas ruas e nos locais de trabalho e estudo pela própria maioria social oprimida e explorada.
Entretanto, o governo Lula trabalha para operar um grande pacto de esquecimento nacional dos crimes do bolsonarismo na pandemia e em suas tentativas de golpe. Além disso, até mesmo a memória da resistência à ditadura e a condenação do golpe militar de 1964 têm sido postas de lado pelo governo petista.
Logo no início da gestão do Governo Lula 3, ficou perceptível quais seriam as suas prioridades. Enquanto retomava algumas políticas sociais importantes, embora insuficientes, como a política de valorização real do salário mínimo e diversos programas sociais sucateados pelos governos anteriores, o governo federal manteve a maioria das medidas aprovadas nos governos de Michel Temer e Bolsonaro, como a privatização de empresas públicas e suas subsidiárias, as contrarreformas da previdência e trabalhistas, o Novo Ensino Médio, a autonomização do Banco Central etc. Tais políticas foram essenciais nos últimos anos para reduzir o valor da força de trabalho, por meio do desemprego e da precarização do trabalho, ampliando os lucros dos grandes monopólios, fortalecendo os valores e políticas neoliberais na sociedade brasileira e ampliando a área de exploração do capital financeiro dentro da economia do país. Para governar com apoio da burguesia, Lula e Alckmin deveriam atuar dentro dos ditames organizados nos anos anteriores. Essa é a brilhante tática da Frente Ampla para evitar o fortalecimento do golpismo: cumprir à risca tudo aquilo que a classe dominante brasileira exigir. Contudo, com isso, perdem cada vez mais o apoio popular.
Como uma de suas primeiras medidas, contrariando a própria fala de Lula na posse presidencial, o Governo apresentou o Novo Arcabouço Fiscal, uma reedição do Teto de Gastos de Temer. Originalmente apresentado no documento Ponte para o Futuro (2016) e aprovado por meio da EC 95, esse tipo de arcabouço jurídico de arrocho fiscal foi chamado, à época, consensualmente entre toda a esquerda, de "PEC da Morte". Isso porque impõe uma regra que limita o investimento público em todas as áreas (Saúde, Educação, Previdência Social etc.), menos no pagamento de juros dos títulos da Dívida Pública, atendendo aos interesses de bilionários do capital financeiro.
O Novo Arcabouço Fiscal dá continuidade à lógica do Teto de Gastos e asfixia a capacidade de financiamento de serviços públicos pelo Estado, pondo em risco até mesmo os Pisos Constitucionais da Saúde e da Educação, contra os quais membros do governo petista já se pronunciaram diversas vezes na imprensa. Na prática, os custos mínimos para a manutenção do atual estágio precário dos serviços públicos - repasses para estados e municípios, salários, auxílios, reformas etc. - já não cabem nesse novo Teto, o que levaria ou à ruptura desse teto, ou à ruína dos serviços públicos.
Além de agradar os especuladores da dívida pública, isso também beneficia empresários que lucram com privatizações generalizadas. Tal política inviabiliza completamente a garantia de serviços públicos universais e de qualidade para a população em várias esferas.
O caminho adotado pelo governo, tendo como porta-voz o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, foi o dos cortes em áreas sociais, afetando a classe trabalhadora e, em especial, a sua parcela mais vulnerável. Foi proposto, no final de novembro do ano passado, uma série de cortes em programas de seguridade social, como o Benefício da Prestação Continuada e o Abono Salarial. Também a política de valorização do salário mínimo foi amarrada aos limites percentuais do “Novo Arcabouço Fiscal”. Tais medidas foram levadas ao Congresso Nacional com urgência pelo governo. A articulação petista na Câmara garantiu milhões em emendas orçamentárias para que os deputados fisiológicos da direita aprovassem o projeto em favor da austeridade que a burguesia exigia. Até a sanção da lei, algumas mudanças foram feitas, como o veto presidencial ao trecho que excluía pessoas com deficiências leves do BPC. Mas mesmo esse veto só ocorreu porque o governo teve que ceder à pressão que sofreu - originalmente, o projeto do governo desejava cortar o máximo de gastos possível. Ironicamente, o líder do governo na Câmara e autor do Projeto de Lei celebrou a mudança, como se fosse responsável pela pressão contrária ao seu próprio projeto.
Ao mesmo tempo em que o governo busca zerar seus gastos, em uma lógica incompatível com as necessidades da classe trabalhadora, a burguesia recebeu, em 2024, R$790 bilhões em isenções fiscais, deixando de pagar impostos que poderiam financiar a assistência social, por exemplo. O governo da frente ampla mostra-se tão alheio aos interesses populares, tão desinteressado em transformar a correlação de forças apoiando-se sobre os movimentos de massa, que atuou para desmobilizar a luta que emergiu contra a escala 6x1 e se manifesta sobre o tema de modo a defender a “negociação entre patrões e trabalhadores”, como forma de fugir ao debate da PEC que estabelece a escala 4x3.
Ainda há o Banco Central autônomo, uma conquista da burguesia sob o governo Michel Temer e que sequer foi discutida pelo novo governo de conciliação de classes. Esta instituição, justificando combater a alta da inflação, mantém taxas de juros astronômicas e com poucos exemplos comparáveis em todo o mundo. Tal medida favorece os especuladores do mercado financeiro, uma vez que cada ponto percentual aumentado na Taxa Selic aumenta em R$50 bilhões os repasses anuais do Tesouro Nacional para o pagamento da dívida pública, para onde vai uma parte considerável das “economias” pretendidas pelo governo com os cortes sociais.
Esse cenário da política econômica brasileira afeta diretamente a qualidade de vida da maioria da população brasileira, seja com cortes diretos em auxílios dos quais as pessoas dependem, seja com a falta de investimento necessário em outras áreas, como a Saúde e a Educação. E essa deterioração das condições de vida, diante do aumento dos custos dos bens de primeira necessidade, retroalimenta a oposição de direita ao governo.
Esse contexto é agravado pelo sufocante aprofundamento da crise climática, causada pelo avanço anárquico do capital sobre todas as formas de vida. No Brasil, o agronegócio, que atua como uma fração burguesa particularmente organizada – a partir de um complexo de mídia, atuação parlamentar, jurídica e de financiamento de milícias e jagunços – sob direção de latifundiários bilionários, avança com total legitimação do Governo Federal contra os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, camponeses e assalariados rurais, provocando a extinção dos biomas amazônicos, do pantanal e do cerrado e levando violência aos povos do campo e das florestas.
Provocando verdadeiros infernos, o agronegócio é o principal interessado e investidor no avanço das queimadas. Segundo levantamento do observatório MapBiomas, entre 1985 e 2023, 199,1 milhões de hectares foram queimados, o que equivale a quase um quarto do território nacional. Apenas entre janeiro e setembro de 2024, foram registrados 22,38 milhões de hectares queimados, o que equivale à área do estado de São Paulo. A concentração das áreas de queimada (mais de 50%) ocorre, porém, em apenas três estados: Mato Grosso, Pará e Tocantins, onde também se concentra a expansão da fronteira agrícola para o cultivo de soja e milho para exportação.
Enquanto condena o futuro da humanidade, o agronegócio lucra bilhões. Os dados sobre os incentivos fiscais federais de 2024 revelam o retrato das prioridades econômicas do governo, com destaque para o setor agropecuário, um dos maiores beneficiados na lista. O agronegócio, isoladamente, representa 18,7% do montante das renúncias fiscais. Entre as empresas com maior benefício acumulado estão a BRF S.A., beneficiada em R$ 488 milhões, sendo R$ 237,5 milhões exclusivamente destinados à desoneração da folha de pagamentos; a Seara Alimentos Ltda., cuja desoneração é de R$ 373,4 milhões; a Cooperativa Central Aurora Alimentos, com R$ 238.607.398,01; a Copacol – Cooperativa Agroindustrial Consolata, com R$ 89,5 milhões, incluindo R$ 20,7 milhões em desoneração e R$ 28,7 milhões em insumos agrícolas; e a Frimesa Cooperativa Central, beneficiada com R$ 71,8 milhões.
As consequências do desequilíbrio climático são cada dia mais evidentes: no ano passado, a seca nos rios da Bacia Amazônica e a tragédia no Rio Grande do Sul demonstraram o potencial destrutivo do fenômeno e o caráter de classe de sua incidência. Em praticamente todos os centros urbanos assistimos, neste começo de semestre, ano após ano, notícias de tragédias familiares ou de comunidades inteiras afetadas pelas chuvas cada vez mais intensas e pela ausência de planejamento urbano e de políticas que garantam moradia digna à população.
Para completar a calamidade, o Brasil aumentou em 75% o uso de pesticidas nos últimos 10 anos, muitos dos quais são proibidos internacionalmente – como o paraquate, a atrazina e o glifosato. Segundo a Anvisa, ao menos 37 dos agrotóxicos registrados desde 2019 são proibidos nos EUA e na UE por causa da toxicidade à saúde e 44% dos 475 agrotóxicos registrados no Brasil só no ano de 2019 foram banidos nos países europeus, segundo um relatório do Greenpeace. Esses produtos, no geral, são manuseados e aplicados por trabalhadores que não são equipados com EPI adequado, sendo expostos diretamente às mazelas destes químicos em favor dos lucros dos grandes proprietários rurais. Um fato que agravou a questão foi a aprovação em 2022 do “PL do Veneno” – convertida na Lei nº 14.785/23 –, que facilitou a liberação de agrotóxicos e enfraqueceu a competência de órgãos de saúde e de meio ambiente no registro de novos pesticidas. A COP 30, que será realizada este ano em Belém, Pará, será um momento inestimável para que os movimentos populares ergam essas denúncias e se mobilizem contra as práticas predatórias e irresponsáveis do capitalismo monopolista frente ao meio ambiente e à vida humana.
Mas nada disso é uma questão apenas deste ou daquele governo. A crise do capitalismo, que afeta trabalhadores e estudantes no mundo todo, exige essas medidas e posturas de qualquer governo capitalista. Qualquer ilusão com as potencialidades de um governo desse tipo só tem um resultado: desarmar a classe trabalhadora e os estudantes na luta pela sociedade que queremos, uma sociedade socialista, que não pode ser alcançada “de reforma em reforma”, nem muito menos quando os governos burgueses, sejam da extrema-direita, sejam da esquerda da ordem, aplicam medidas contra os trabalhadores como hoje.
Hoje, como uma das principais questões colocadas na conjuntura brasileira, vemos a emergência de uma das lutas históricas da classe trabalhadora em pleno desenvolvimento e a UNE deve tomar lado claro nessa batalha: luta pela redução da jornada de trabalho, pelo fim da escala 6x1 e pela jornada de 30h semanais em escala 4x3. Essa luta, que atinge diretamente milhões de estudantes que já são trabalhadores, e que prepara condições melhores de empregabilidade para aqueles que hoje só estudam, é uma luta que não deve se resumir à negociação fragmentada entre trabalhadores e patrões - como o Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, propôs -; ela é uma luta política de toda a classe trabalhadora contra a burguesia, e o papel dos estudantes será central para impulsioná-la. Não conseguiremos reduzir nem um minuto da jornada de trabalho (que não se reduz desde 1988) se esperarmos sentados ou apenas reclamarmos da “correlação de forças no Congresso Nacional”. Mas poderemos arrancar plenamente essa vitória se pressionarmos com toda a força dos trabalhadores e estudantes organizados.
No âmbito internacional, o plano em curso de genocídio do povo palestino, perpetrado pelo consórcio EUA-OTAN-UE-Israel, tem representado uma das principais ofensivas imperialistas contra os povos. Desde o dia 07 de outubro de 2023, como “resposta” à ofensiva das forças de resistência palestinas, está sendo colocada em prática uma espécie de “Solução Final para a Causa Palestina”, com avanços dos colonos sobre terras da Cisjordânia e os incessantes bombardeios e batalhas em Gaza. O genocídio, tolerado ou, nos piores casos, ativamente apoiado pela imensa maioria dos países, é um dos últimos episódios de barbaridade neocolonial existentes na humanidade.
O total de mártires da agressão israelense ultrapassou os 46.000, com 110.000 feridos desde o dia 7 de outubro. Hospitais, escolas, abrigos de civis foram propositalmente bombardeados. O exército israelense comete crimes de guerra documentados e transmitidos para o mundo, impunemente. O aprofundamento da guerra genocida contra o povo palestino expôs a atualidade da barbárie imperialista, por meio de práticas de apartheid colonial e forçou um debate internacional sobre a ilegitimidade da ofensiva sionista perante instituições como a Corte Internacional de Justiça, obrigada a reconhecer o caráter genocida das ações de Israel. Longe de ver nesses órgãos a representação dos interesses de libertação do povo palestino, entendemos que esses atos demonstram o avanço da pressão organizada dos movimentos de massas em defesa da causa palestina em todo o mundo, o que também se expressou com ações efetivas de denúncia do genocídio e corte das relações comerciais e diplomáticas com Israel, tal como fez a Colômbia, África do Sul, Bolívia, Bahrein, Jordânia, Turquia, Belize, Venezuela, entre outros países.
Ao mesmo tempo, porém, em que a ofensiva genocida avança, o Governo Lula se mantém calado e operante nos acordos comerciais militares e científicos com Israel, financiando a tecnologia bélica que opera o genocídio do povo negro e periférico pelo braço armado do Estado. Enquanto as armas israelenses matam o povo pobre nas periferias do Brasil e na Palestina, diversas universidades brasileiras, como a Universidade de São Paulo, têm perseguido estudantes que se mobilizaram pela causa palestina. Após o Centro Acadêmico de Ciências Moleculares convidar o Núcleo de Estudantes em Solidariedade do Povo Palestino (ESPP-USP) para um debate sobre os acontecimentos em Gaza, foi instaurado um processo administrativo disciplinar (PAD) contra cinco estudantes acusados de “apologia ao ódio” a partir deste evento. Dessa forma, em 2024, a Reitoria da USP segue processando e ameaçando expulsar cinco estudantes cujo crime foi protestar contra o genocídio em Gaza. No seio dessa perseguição, a UNE deve carregar uma posição de defesa dos estudantes perseguidos e, indo além, cobrar que a USP e demais universidades colaborem para o rompimento dos acordos de transferência tecnológica que ainda persistem com universidades israelenses.
Educação
A educação brasileira, em todos os níveis, encontra-se em um estágio de crise, uma vez que os recursos públicos disponíveis para seu financiamento são insuficientes para atender às necessidades históricas do proletariado pelo acesso universal a todos os níveis de ensino. A título de exemplo, no último pacote de cortes anunciados pelo governo federal, uma das medidas é a inserção do orçamento do ensino integral dentro do FUNDEB. Ou seja, agora, os recursos do Fundo, que deveriam servir para reduzir as desigualdades na educação com recursos federais para as escolas, agora compreendem uma nova política, podendo, na prática, reduzir em até 20% os recursos do FUNDEB. Em conexão com isso, proliferam os projetos de privatização da gestão da educação pública, bem como os reacionários projetos de Escolas Cívico-Militares.
Na educação de nível superior, o que vemos é um contínuo e alarmante aumento das matrículas nas instituições privadas de ensino, que representam mais de 80% dos alunos hoje no Brasil. Seus proprietários ampliam seus lucros e sua inserção em outros níveis e tipos de formação, sendo responsáveis pela formação acadêmica e política de uma parcela significativa da juventude trabalhadora. Tal aumento é favorecido pelo financiamento público das matrículas, que insere o aluno na universidade, mas não garante que ele consiga se formar e o insere desde cedo em uma lógica de endividamento. As próprias instituições de ensino criam seus próprios sistemas de financiamento, garantindo que parte de sua lucratividade seja proveniente de juros sobre as mensalidades. Para tais instituições, o fortalecimento do ensino público é um entrave para sua subsistência, uma vez que a maior destinação de verba para instituições públicas, transferindo as matrículas provenientes do ProUNI e do FIES para a rede pública, impediria a expansão desse setor privado. Não à toa, hoje, o Brasil abriga alguns dos maiores monopólios privados de educação do mundo.
Aliado ao processo de redução de investimentos, há uma investida ideológica contra a educação pública, visando deslegitimá-la perante a opinião pública e criminalizar seus professores e alunos. Grupelhos de extrema-direita realizam uma verdadeira perseguição às universidades, acusando-as de “doutrinação” e de “baderna”. Mas, na prática, mesmo com orçamentos restritos, são as universidades públicas que lideram a produção científica no país.
Esse cenário conjuntural da educação não é um “acidente de percurso”, mas resultado do projeto histórico da burguesia para a educação. Desde as primeiras faculdades brasileiras, as universidades são concebidas como espaços de reprodução do poder da elite, sendo ao mesmo tempo exclusivas para as parcelas mais abastadas e produzindo a sustentação ideológica e técnica do estado burguês. As universidades brasileiras, públicas ou privadas, cumprem o papel de instrumento legitimador das desigualdades sociais, servindo como instrumento de comparação e distinção da população e produzindo teorias que naturalizam e justificam a miséria e a exploração do homem pelo homem. Com a expansão dos investimentos capitalistas na educação, que se tornou progressivamente um ramo extremamente rentável em função das isenções fiscais e do endividamento estudantil, a burguesia brasileira busca hoje obter lucros cada vez maiores às custas da precarização do ensino, enquanto os filhos da classe dominante se formam em instituições renomadas no exterior.
As políticas de inclusão, como as cotas ou a assistência estudantil, mesmo que fundamentais para transformar a vida de jovens que não acessariam a universidade diante do filtro social do vestibular e dos determinantes históricos que marcam a vida da classe trabalhadora brasileira, não são suficientes por si só para dar fim aos problemas encontrados dentro da universidade. Na prática, enquanto alguns estudantes utilizam as ferramentas de permanência, mais da metade dos estudantes não conseguem concluir seus cursos, pois não possuem condições materiais necessárias para tal ou por causa da dinâmica adoecedora do capitalismo que afeta suas condições psicológicas para enfrentar tais mazelas. Nesse sentido, a luta por recursos para políticas de permanência estudantil é uma luta em defesa dos interesses dos setores mais precarizados e empobrecidos da juventude estudantil.
É dever do Movimento Estudantil como um todo e da UNE em particular, como entidade representativa geral, apontar para um outro modelo de educação superior. Em primeiro lugar, é preciso combater a lógica de “complementaridade” entre a universidade pública e a privada, defendendo a universalização e exclusividade da universidade pública. Queremos 10% do PIB para uma educação exclusivamente pública! Só assim podemos garantir, minimamente, que os interesses dos estudantes e dos trabalhadores das universidades possam ser colocados em pauta e não fiquem à mercê dos grandes monopólios educacionais privados, que não têm qualquer compromisso efetivo com a educação, e sim com seus lucros. Isso significa que o Estado deve encampar, sem indenizações, todas as instituições privadas e estatizá-las imediatamente. Essa medida imediatamente vai desafogar os estudantes, que não terão mais que pagar qualquer tipo de mensalidade ou dívidas. Com a estatização de todo o sistema universitário, devemos dar o próximo passo rumo à universalização do acesso, extinguindo qualquer forma de vestibular. Além disso, devemos retomar a luta histórica para que as universidades, públicas e de acesso universal, desenvolvam o tripé de ensino-pesquisa-extensão como partes fundamentais de seu vínculo com a sociedade, deixando de ser, ao mesmo tempo, celeiros para o grande capital e torres de marfim para a pesquisa sem comprometimento com as demandas dos trabalhadores. Esses passos podem e devem ser dados agora – mas só se concretizarão com a unidade entre trabalhadores e estudantes, que lutem sem qualquer ilusão de que medidas como essa serão alcançadas ou mesmo apoiadas por qualquer governo burguês. A Universidade Popular que queremos só será plenamente realizável com a completa reorganização socialista da sociedade - mas cada luta imediata, se conduzida em consonância com esse sentido geral, nos aproxima dessa realidade.
Movimento Estudantil
O movimento estudantil deve atuar e servir como a resposta prática e organizativa à situação que os estudantes e a classe trabalhadora brasileira encontram em suas realidades. As entidades estudantis são espaços de mobilização cotidiana, com potencial de elevar a consciência política dos estudantes e formar quadros para os movimentos dos trabalhadores, formando uma reserva de força importante para as lutas de nossa classe, capazes de influenciar na correlação de forças fora da universidade. A UNE, enquanto entidade máxima de representação dos estudantes, deve atuar como articuladora da rede nacional do movimento estudantil, aproveitando-se da particularidade brasileira de possuir uma entidade nacionalmente centralizada, e convocando uma agenda de mobilizações contra as medidas antipopulares, defendendo o caráter público da educação, governe quem governe - sejam os partidos reacionários ou os partidos liberais da burguesia.
A situação atual, infelizmente, não é essa. Os impactos da crise do capitalismo, a flexibilização das condições de trabalho e a precarização das condições de vida da juventude trabalhadora deram um duro golpe na organização do movimento estudantil. As entidades ainda não recuperaram os níveis de representatividade e capilaridade entre os estudantes de antes da pandemia. As assembleias estudantis se enchem em períodos pontuais de ascensão das lutas e depois retomam um ciclo de esvaziamento. CAs, DAs e DCEs pelo Brasil deixaram de existir porque houve um afastamento da juventude dessas entidades e seus espaços. A maior entidade estudantil da América Latina não tem a mesma capacidade de mobilização e enfrentamento do século passado. Comprometendo sua independência política, as décadas sob hegemonia de uma estratégia social-liberal, que rebaixa as bandeiras históricas do movimento em nome de uma conciliação com uma suposta “burguesia progressista” e prioriza as articulações na institucionalidade levaram à UNE ao seu estágio atual.
A euforia adquirida com a apertada vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro pode ter iludido parte da juventude que acreditou que “as coisas estavam resolvidas”. A prática do governo, que não pode enfrentar os problemas estruturais do capitalismo brasileiro, pode ter frustrado boa parte daqueles e daquelas que estavam iniciando sua militância. O fato é que a eleição de Lula-Alckmin não resultou em maior organização dos movimentos históricos dos trabalhadores, e sim na sua desorganização, como é natural em qualquer governo burguês, mesmo que aparente moderação. Devemos tomar como exemplo a atuação do governo federal em relação à primeira mobilização de caráter nacional durante essa gestão, a greve das instituições federais de ensino, construída por professores, técnicos e estudantes: nela, Lula e seus ministérios, além de recusarem as propostas dos setores grevistas, também minimizaram e invalidaram as pautas, como bons porta-vozes dos interesses da burguesia, atuando para dividir o movimento desde seu interior.
A UNE, estando dirigida majoritariamente pelas mesmas organizações políticas que compõem o governo federal, jamais poderia tomar um rumo distinto. Na prática, por afirmação ou omissão, defendeu ao longo dos meses a política econômica do governo Lula, omitindo-se diante de pautas de interesse imediato da juventude e, no máximo, emitindo posicionamentos tímidos a respeito.
Na luta contra o Novo Ensino Médio, os limites da atuação das direções majoritárias das entidades estudantis nacionais ficaram evidentes: enquanto as bases estudantis construíam mobilizações nas escolas e tentavam articular atos e paralisações, os dirigentes da UNE e da UBES bateram ponto no Congresso Nacional, tentando remendar o projeto de revisão do NEM. Elementos centrais da precarização presentes no NEM foram mantidos, como a menor carga horária para o Ensino Técnico e a ausência de disciplinas como Sociologia, Filosofia e Espanhol. Mas a entidade celebrou as “conquistas” e nunca mais tocou no assunto.
No início desta gestão, a direção majoritária da entidade classificou Roberto Campos Neto, então presidente do Banco Central indicado por Bolsonaro, como inimigo número um, atribuindo à política de altos juros a responsabilidade pela escassez de recursos para investimentos em políticas públicas, especialmente na educação. Em contrapartida, a participação do governo na política fiscal foi ignorada, e os votos alinhados a Campos Neto por diretores indicados por Lula, como Gabriel Galípolo (atual presidente do Banco Central), passaram ilesos às críticas. A meta de inflação, definida pelo Comitê Monetário Nacional — composto por Tebet, Haddad e o presidente do BC —, também não foi questionada, apesar de ser o principal direcionador das decisões do Comitê de Política Monetária (COPOM) sobre os juros.
Essa crítica seletiva omitiu que, por meio de um decreto presidencial, o Programa de Parcerias e Investimentos foi ampliado pela gestão Lula-Alckmin, permitindo a privatização não apenas de portos, aeroportos e rodovias, mas também de escolas, universidades, florestas e presídios. Tampouco houve posicionamento diante da aprovação do Novo Teto de Gastos, que traz iminentes riscos ao orçamento da educação, como apontado por militantes e especialistas. As mudanças propostas na PEC de corte de gastos, anunciadas no final do ano passado, enfraquecem o caráter do FUNDEB ao permitir que mais funcionalidades sejam incorporadas, diluindo seus recursos em diferentes finalidades. Com isso, despesas que antes seriam diretamente custeadas pelo MEC deixam de existir. Todo esse cenário foi ignorado.
A prioridade da direção majoritária da UNE, em especial da UJS, foi a construção da Caravana da UNE, uma série de atividades ao longo dos meses que percorreriam as universidades do Brasil discutindo o tema da Reforma Universitária. A verdade é que, diferente das edições históricas, a Caravana de 2024 sequer chegou perto de seus objetivos políticos. O fracasso da Caravana revela o esgotamento da política da entidade, que é pautada não em articulação com os movimentos sociais, sindicatos e as entidades de base do movimento estudantil, mas na institucionalidade estatal burguesa. O exemplo de maior vexame protagonizado na Caravana ocorreu em São Paulo, onde todo o evento foi pensado para adesão à campanha rebaixada de Guilherme Boulos à prefeitura, mas nem o candidato, nem os estudantes compareceram. No fim, todo o investimento no circuito foi incapaz de se traduzir em ganho real para o movimento estudantil, de modo que não se construiu uma proposta de reforma universitária ou qualquer outro acúmulo.
Não há espaço, ainda mais na atual conjuntura, para conquistarmos reformas - ainda que simples e realizáveis nos marcos do capitalismo - através do diálogo institucional e sem buscar construir grandes mobilizações populares. Diante de um governo comprometido com a manutenção e aprofundamento da exploração capitalista no Brasil, as entidades estudantis devem ter uma postura verdadeiramente crítica e independente, que busquem construir uma alternativa comunista e revolucionária para a educação brasileira.
Temos uma visão bastante distinta do que deve ser o Movimento Estudantil. Em primeiro lugar, a UNE não pode seguir sendo uma entidade “representativa” na lógica do Estado, que tem suas eleições a cada dois anos e opera afastada da classe trabalhadora e das massas que deveria dirigir. A UNE deve organizar e elevar a luta dos estudantes. Deve fortalecer a rede do Movimento Estudantil, que se compõe de DCEs, UEEs, DAs e CAs, para que os estudantes sejam uma força social relevante, como já foram em outros momentos históricos. Isso não pode ser feito com entidades que só existem no papel, com fraudes, com DCEs em aliança com as reitorias ou dirigidos pelos governos federal, estaduais ou prefeituras. Essa é uma luta dos estudantes, que depende da sua própria autonomia organizativa e da sua capacidade de avançar politicamente para além de um braço do governo ou da reitoria da vez.
Ainda hoje, não existe uma alternativa concreta ao Campo Majoritário, que segue sendo maioria absoluta nos encontros e congressos da entidade. Se isso se deve, em grande parte, a uma estrutura financeira robusta e métodos questionáveis de atuação e eleição, também há uma falha nos grupos de oposição que observam limites na gestão da entidade.
Diante das mudanças na conjuntura, a antiga Oposição de Esquerda perdeu os pontos de unidade que pautavam sua atuação e existência para além dos congressos estudantis. Correntes do PSOL, formando a Juventude Sem Medo, se aproximaram do petismo e romperam definitivamente com a OE. Correnteza e Juntos!, as forças remanescentes, ainda não apresentaram elementos concretos que justificassem a continuidade dessa aliança, e revelam distintas modalidades de ambiguidade em sua postura perante o governo federal, recusando-se a adotar abertamente uma postura de oposição política ao governo social-liberal. Outros setores, no entanto, como os movimentos Rebeldia e Faísca, embora se coloquem abertamente como oposição de esquerda ao social-liberalismo, não atuam para a construção de uma unidade consequente entre os setores em contradição com o governismo, preferindo uma postura de demarcação e isolamento, além de adotarem posições no mínimo questionáveis em uma série de temas, notadamente internacionais. Por uns ou outros motivos, também na atuação cotidiana nas bases, encontramos práticas hegemonistas que dificultam a construção da unidade de um movimento estudantil capilarizado e combativo.
As críticas aqui presentes não são uma defesa do sectarismo e do isolacionismo, de uma postura autoproclamatória de nossa parte. Pelo contrário: acreditamos que a unidade de ação é ferramenta essencial e necessária para fortalecer as lutas da juventude em particular e da classe trabalhadora em geral. Mas a unidade gelatinosa, sem vínculo programático, fortalece, inclusive aqueles setores que queremos derrotar.
Consideramos o 16º Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE um dos espaços mais importantes do movimento estudantil brasileiro, por possibilitar o encontro de Centros e Diretórios Acadêmicos atuantes em suas universidades, dispostos a debater a política e a educação brasileira. Queremos dialogar com cada uma dessas entidades e convidá-las a lutar conosco contra o projeto neoliberal de desmonte do ensino público e fortalecimento do mercado da educação, aplicado a nível nacional por Lula-Alckmin e a nível estadual pelos governadores de diferentes partidos políticos. Entendemos que tal processo passa por superar a política da direção majoritária da UNE, que atua como correia de transmissão do governo e que trava as lutas necessárias dos estudantes trabalhadores brasileiros.
Nesse CONEB também discutiremos a proposta de Reforma Universitária. Entendemos que é fundamental que os estudantes tenham a capacidade de formular e propor um projeto de universidade que oriente a luta do movimento estudantil e antagonize com o projeto de universidade burguesa em vigor. Há muitos anos apresentamos a Universidade Popular como esse caminho, em luta por uma educação politécnica, omnilateral e pautada nos interesses do povo trabalhador. No entanto, uma Reforma Universitária, que atenda às demandas da juventude trabalhadora, passa necessariamente por um processo profundamente democrático de construção com as bases estudantis em todo o país, que ative o movimento estudantil para a luta até o fim. Com o fiasco da Caravana da UNE de 2024 e o atual nível de mobilização do movimento estudantil, o CONEB é um espaço insuficiente, no máximo inicial, de discussão sobre a Reforma. Acreditamos que o CONEB deve ser o pontapé inicial para essa discussão em cada centro acadêmico, assembleia estudantil e sala de aula. Só assim poderemos subverter a lógica de negociação de gabinetes para efetivamente construir um forte movimento de massas dos e das estudantes, que tenha capacidade de barrar os diversos cortes orçamentários e impor à burguesia e seus representantes uma lista de reivindicações a serem cumpridas.
Entendemos que as entidades estudantis são uma ferramenta de luta para a juventude que esteja disposta a enfrentar todos os ataques aos nossos direitos. O 16º CONEB da UNE deve articular esses Centros e Diretórios Acadêmicos para a construção de um calendário nacional e unificado de lutas do primeiro semestre de 2025, que coloque no centro das lutas da juventude e da classe trabalhadora brasileira a revogação do Novo Arcabouço Fiscal e de todas as medidas de austeridade tomadas para cumprí-lo, bem como pelo fim da escala 6x1. Mudar a correlação de forças na sociedade em favor da classe trabalhadora: essa deve ser a prioridade máxima de todo estudante, seja da universidade pública ou privada, para garantir condições dignas de estudo e trabalho.
Convocamos todos os estudantes brasileiros, em especial aqueles e aquelas que estarão em Recife participando do CONEB representando suas entidades estudantis, a desde já fortalecer uma perspectiva revolucionária no movimento estudantil, que não só combata as vacilações sociais-liberais da direção majoritária da entidade, mas que esteja disposta a construir e lutar por um programa de independência de classe para o movimento, a partir dos debates da Universidade Popular e fomentando a Revolução Socialista no Brasil.