Teses da UJC para o 60º CONUNE - Disputar O Presente, Construir O Futuro: UNE na luta pela Universidade Popular e pela redução da jornada de trabalho

Construir o futuro é forjar no presente a consciência, a organização e a luta necessária para uma nova sociedade: uma sociedade onde a educação não seja mercadoria, o trabalho não seja exploração, e onde a vida humana não seja subordinada ao lucro.

Teses da UJC para o 60º CONUNE - Disputar O Presente, Construir O Futuro: UNE na luta pela Universidade Popular e pela redução da jornada de trabalho

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CONJUNTURA

A crise global do modo de produção capitalista, que se arrasta desde 2008, tem adentrado uma nova fase, com sinais cada vez mais evidentes do acirramento das contradições internas ao próprio sistema. O crescimento das desigualdades, a intensificação das disputas econômicas e políticas e a busca desenfreada das burguesias pelo aumento de seus lucros, às custas da superexploração da classe trabalhadora, são traços fundamentais do atual período, impulsionando em todas as grandes potências capitalistas a extrema-direita e o militarismo.

A escalada da guerra comercial entre EUA e China se intensifica como mais um capítulo da agudização dos conflitos interimperialistas: trata-se de um embate não para resolver as contradições globais, mas para redesenhar esferas de influência econômica. Em paralelo, assistimos a outros desenvolvimentos militares, especialmente a guerra na Ucrânia e a escalada do genocídio colonialista de Israel contra a Palestina. O ataque recente da Índia ao Paquistão é outro exemplo dessa tendência à generalização dos conflitos militares. A disputa pelo mercado mundial entre os blocos liderados por EUA/OTAN e Rússia/China intensifica-se, revelando que o sistema imperialista se reorganiza não para resolver as contradições globais, mas para aprofundá-las. A guerra e a destruição são expressões necessárias da lógica de reprodução do capital em crise.

Nesse cenário, a expectativa em uma "multipolaridade" progressista é ilusória. A disputa entre as grandes potências capitalistas é interimperialista em essência: os blocos competem para garantir suas zonas de influência e expandir suas capacidades de exportação de capitais, se beneficiando do sofrimento, da miséria e do assassinato dos povos do mundo em guerras cada vez mais generalizadas.

Além da sua utilização nas guerras, as novas tecnologias — como a inteligência artificial, a automação e a digitalização — são aplicadas pelas grandes corporações para intensificar a exploração do trabalho. Em vez de libertar os trabalhadores das tarefas mais extenuantes, a inovação tecnológica, no contexto do capitalismo, serve para ampliar a produtividade, reduzir salários, aprofundar a precarização e aumentar o exército de reserva de trabalhadores desempregados ou subempregados. Em meio a isso, surgem lutas espontâneas pela redução da jornada de trabalho e pelo enquadramento trabalhista do trabalho “uberizado”, demonstrando que apenas as forças organizadas da classe trabalhadora podem reverter em benefício da maioria da humanidades esses desenvolvimentos das forças produtivas.

Por outro lado, a crise da democracia liberal se acentua. As formas clássicas da democracia burguesa — "o sistema parlamentar eleitoral e seus partidos tradicionais" — não são capazes de canalizar as insatisfações sociais das camadas exploradas e oprimidas. Isso ocorre porque o próprio Estado moderno é expressão do capitalismo, não uma entidade neutra em relação à luta de classes capaz de sanar as contradições da própria ordem social na qual se baseia. Na ausência de uma significativa força política revolucionária proletária independente, a desilusão da classe trabalhadora quanto ao Estado abre espaço para o crescimento da extrema-direita, que apresenta respostas autoritárias e chauvinistas às contradições do capitalismo em crise, organizando o descontentamento popular sob bandeiras reacionárias.

O principal fator que permite essa ofensiva da extrema-direita é a ausência de uma alternativa revolucionária enraizada em meio à classe trabalhadora. A fragilidade dos Partidos Comunistas, a adaptação de setores da esquerda ao regime burguês e a dispersão dos movimentos populares dificultam a construção de um projeto revolucionário de massas.

Entendemos que é nossa tarefa, como União da Juventude Comunista, não apenas denunciar as mazelas do capitalismo em crise, mas também organizar, em cada espaço de atuação, a formação de novos quadros revolucionários e a luta por uma alternativa socialista à barbárie capitalista.

No Brasil, a eleição de Lula-Alckmin em 2022 expressou uma rejeição popular à barbárie do bolsonarismo, mas não representou uma ruptura com o capital nem com o programa econômico burguês, acelerado após o golpe de 2016. Pelo contrário: o governo atual busca, em palavras, conciliar interesses antagônicos, tentando equilibrar-se entre a pressão da burguesia financeira e as demandas sociais da classe trabalhadora.

Essa conciliação, no entanto, favorece objetivamente a continuidade dos ataques da burguesia:

●     Novo Teto de Gastos (Arcabouço Fiscal), que limita o crescimento dos investimentos sociais a índices inferiores ao próprio crescimento da arrecadação e impõe cortes automáticos no orçamento caso as metas fiscais não sejam cumpridas;

●     Aumento de privatizações dos serviços públicos, ao incluir áreas sociais o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), como saúde, educação, gestão florestal e segurança pública, aprofundando a lógica de mercantilização dos direitos sociais;

●     Ameaça de retirada dos pisos constitucionais de Saúde e Educação, comprometendo ainda mais o já precário financiamento público;
Manutenção e ampliação das políticas de austeridade, congelando salários do funcionalismo, combatendo e burocratizando o movimento sindical e bloqueando concursos públicos, mesmo diante de greves e mobilizações por reajuste e recomposição orçamentária.

●     Aumento da letalidade policial e a militarização da segurança pública, como formas de aumentar a força repressiva do Estado contra a classe trabalhadora, reforçar a política de guerra às drogas que fundamenta a segregação racial urbana, o encarceramento em massa, o racismo, por fim fortalecendo o crime organizado e as milícias; políticas que possuem como desdobramentos o fortalecimento dos conglomerados privados de segurança e armamentos, além da exploração comercial da política carcerária via privatização de presídios.

Soma-se a isso o escândalo dos descontos irregulares em folha no INSS: deduções elevadas e não autorizadas que penalizam os contribuintes, sem resposta contundente do governo, que se limita a imputar a questão ao passado bolsonarista. A popularidade em baixa e a saída de ministros revelam apenas retórica vazia.

No terreno da luta proletárias, vivemos um importante momento de fortalecimento da luta popular em torno da pauta do fim da escala 6x1. Essa jornada, em vigor há décadas, foi intensificada após a contrarreforma trabalhista e é um dos mecanismos centrais de superexploração da classe trabalhadora, atingindo, principalmente, a sua juventude, mas expandindo-se cada vez mais para além do setor de serviços em direção até mesmo às fábricas.

Para o movimento estudantil, a adesão a essa luta não é apenas uma questão de solidariedade de classe proletária: é uma pauta de direto interesse da maioria da juventude. O endividamento estudantil, a necessidade de trabalhar para pagar mensalidades cada vez mais caras, a ausência de políticas de permanência estudantil - inúmeros são os fatores que empurram os estudantes pobres para o mercado de trabalho, em empregos precários que os colocam em condições de exploração e fadiga extremadas, muitas vezes resultando inclusive na ampliação da evasão universitária.

A luta pela redução da jornada de trabalho, defendendo o descanso digno e melhores condições de vida para os trabalhadores, emergiu como uma bandeira capaz de unificar amplos setores da classe trabalhadora em oposição frontal aos interesses dos capitalistas.

Uma PEC que propõe a alteração do regime de 6x1 já tramita no Congresso, mas seu andamento é extremamente lento, e o governo Lula-Alckmin, embora tenha finalmente se posicionado sobre a pauta, tampouco a prioriza, apostando na construção de uma correlação de forças favorável apenas via acordos com a burguesia, como evidenciou o pronunciamento de Lula no 1º de Maio.

As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo (conhecidos, no movimento estudantil, como “Campo Majoritário”) propuseram, para setembro, um plebiscito popular nacional sobre a jornada de trabalho. No entanto, entendemos que essa proposta é tardia frente à urgência das condições materiais da classe trabalhadora, e significou uma ausência de compromisso com a mobilização popular ao longo de todo o primeiro semestre deste ano, enquanto as forças socialistas buscavam impulsionar a luta nas ruas e locais de trabalho. A história mostra que somente a pressão de massas e o movimento organizado da classe trabalhadora são capazes de arrancar conquistas históricas — nunca uma vitória se baseou na  confiança passiva nas instituições do regime burguês, nas negociatas parlamentares ou na conquista de apoio popular nas redes sociais, mas que não se converta em movimento organizado dos trabalhadores.

Viemos trabalhando, cotidianamente, desde o ano passado pela  mobilização da juventude e da classe trabalhadora em torno da pauta da redução da jornada de trabalho como elemento central de sua luta contra a precarização e a superexploração, apontando não só para o fim da escala 6x1 como medida urgente, mas também para a conquista de uma jornada de 30h semanais em escala 4x3.

O principal desafio, hoje, para a juventude e para o movimento estudantil é a reconstrução da luta popular sob uma perspectiva de independência política revolucionária, defendendo de maneira intransigente os interesses da classe trabalhadora,, superando o reboquismo governista e a falsa ilusão de que o pacto com a burguesia pode atender aos interesses do povo trabalhador.

Sem uma luta consequente contra o capitalismo e pela construção de uma alternativa socialista-comunista, o risco de reorganização da extrema-direita continuará crescendo — e o futuro da juventude e da classe trabalhadora seguirá ameaçado.

EDUCAÇÃO

O setor educacional brasileiro é hoje um dos alvos centrais do projeto burguês de precarização e mercantilização dos direitos sociais. O desmonte iniciado no segundo governo Dilma e aprofundado após o golpe de 2016 foi mantido no governo Bolsonaro, e prossegue sob a gestão Lula-Alckmin.

Apesar dos discursos sobre a centralidade da educação para o desenvolvimento nacional, o que se verifica é o subfinanciamento crônico das instituições públicas. Dados recentes demonstram que as universidades federais operam com um déficit superior a R$1,5 bilhões comparado a 2016, aprofundando a crise de funcionamento, infraestrutura e permanência estudantil.

A ausência de recomposição orçamentária, somada às limitações impostas pelo Novo Teto de Gastos (Arcabouço Fiscal), compromete não apenas a capacidade de funcionamento básico das universidades, mas também o próprio futuro do ensino superior público no Brasil.

Enquanto isso, o capital privado se fortalece, tanto através da penetração nas universidades públicas — financiando pesquisas, propondo parcerias público-privadas (PPPs) e definindo agendas de inovação tecnológica voltadas ao mercado —, quanto através do domínio absoluto do setor privado do ensino superior.

As universidades privadas, em sua maioria controladas por grandes conglomerados e financeiros e pelos maiores monopólios mundiais do setor educacional, não cumprem o papel de democratizar o acesso ao conhecimento. Ao contrário: parasitam as verbas públicas via programas como o FIES e o ProUni, oferecem serviços educacionais de baixíssima qualidade, graças a uma dinâmica de precarização e superexploração do trabalho docente, e transformam a educação em mercadoria. O modelo de negócio dessas instituições tem como pilares centrais a financeirização do acesso (fazendo o endividamento estudantil se ampliar em proporções cada vez mais alarmantes) e a expansão desenfreada do ensino a distância (EAD).

Neste sentido, o EAD não é uma política educacional legítima de democratização, mas sim uma ferramenta central de precarização do ensino e de enriquecimento dos grandes monopólios educacionais. Com baixíssimo custo e pouquíssima exigência de qualidade, o EAD serve para ampliar margens de lucro, destruir a formação universitária crítica e submeter a juventude trabalhadora a diplomas que não garantem inserção digna no mercado de trabalho, contribuindo, ainda, para a precarização das condições de trabalho e rebaixamento do valor da força de trabalho docente.

Apenas rompendo com o projeto burguês para o ensino superior, que consagra a mercantilização da educação como sua pedra de toque, e lutando por um projeto de Universidade Popular, a serviço da maioria trabalhadora e oprimida da sociedade, poderemos reverter esse quadro. Por isso, defendemos:

●     O fim da terceirização e integração dos trabalhadores terceirizados das universidades, como efetivos em conformidade com a CLT;

●     A imediata recomposição efetiva do quadro de servidores TAE, docentes e demais categorias das universidades, por concurso público;

●     Combater o EAD, revertendo as autorizações indiscriminadas, como a oferta de até 40% de aulas EaD em cursos presenciais (Portaria MEC nº 2.117/2019) e a criação de polos EaD sem a necessidade de consulta ao MEC (Decreto 9.057/2017), aprovada nos governos Temer e Bolsonaro e exigindo a retomada da centralidade do ensino presencial de qualidade nas universidades públicas;

●     Estatizar os conglomerados privados da educação, reincorporando suas estruturas à rede pública e gratuita de ensino superior;

●     Garantir acesso universal ao ensino superior público, superando a lógica do ensino como privilégio e reivindicando-o como um direito.

●     Anulação das dívidas estudantis com o FIES, que possui índice de inadimplência de mais de 50% dos estudantes atendidos pelo programa.

ENTRAR, PERMANECER, FORMAR! A LUTA PELA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E PELO FIM DO VESTIBULAR

A luta pelo fim do vestibular

Reconhecemos que as políticas de cotas sociais e raciais foram importantes para transformar a composição social das universidades públicas. Defendemos a manutenção e ampliação destas políticas, incorporando cotas específicas para estudantes trans, vestibulares indígenas e outras ações afirmativas conforme as realidades regionais.

Contudo, compreendemos que, enquanto existir o vestibular, persistirá um filtro social que bloqueia o acesso da juventude trabalhadora à universidade, sobretudo as universidades públicas. O vestibular não seleciona mérito: seleciona renda. Enquanto alimenta o mercado dos cursinhos, das editoras e das provas preparatórias, também garante uma clientela para a rede privada de ensino e alimentando esse mercado bilionário, transformando o direito à educação em mais uma mercadoria.

Lutamos pela abolição do vestibular e pela universalização do acesso ao Ensino Superior: todo jovem que conclua o ensino médio deve ter o direito garantido de ingressar no ensino superior público. 

Permanência estudantil: universalizar para garantir o direito de estudar

A precariedade das políticas de permanência é um dos principais fatores de evasão no ensino superior público. Segundo o Censo da Educação Superior de 2022, 58% dos estudantes abandonam seus cursos antes da conclusão. A lógica fundante dos programas estudantis deve ser não apenas a distribuição de bolsas financeiras, comumente ofertando valores irrisórios, mas a criação de estruturas e programas que abranjam as principais necessidades dos estudantes brasileiros: Alimentação, moradia, assistência psicológica e psiquiátrica, creches e tudo que hoje está em falta nas universidades brasileiras.

Defendemos a universalização da Assistência Estudantil, através de:

  1. Expansão e qualificação das estruturas universitárias indispensáveis para os estudantes, tais como: rampas de mobilidade, pisos táteis, residências universitárias, restaurantes universitários, creches, fraldários e etc.
  2. Garantia dos Restaurantes Universitários gratuito para todos os estudantes, e que atenda a comunidade externa com valores populares. Fim das privatizações e terceirizações nos RUs!;
  3. Expansão dos serviços prestados pelas creches universitárias, para que possa atender filhos de estudantes. Assim, evitando que esses pais e mães abandonem a universidade sem seus diplomas;
  4. Elevação dos valores das bolsas, para que sejam suficientes à manutenção do bem-estar do estudante
  5. Fortalecimentos dos Núcleos e Setores especializados em atendimentos de pessoas com deficiência. Bem como a contratação de servidores técnicos especializados no atendimento psicológico e psiquiátrico des discentes;
  6. Garantia de percentuais mínimos do orçamento público para permanência estudantil, blindando esses recursos contra contingenciamentos e cortes fiscais;

Sem permanência digna, os estudantes mais pobres são empurrados para o mercado de trabalho precarizado, submetidos a jornadas como a 6x1, o que inviabiliza sua formação acadêmica e sua plena vivência das possibilidades do ambiente universitário.

Produção de conhecimento: romper com a lógica mercantil

Hoje, a produção acadêmica é em grande parte subordinada às demandas do mercado. As universidades, pressionadas pela falta de financiamento público, recorrem a parcerias privadas, moldando sua agenda científica aos interesses empresariais.

Além disso, parte significativa dessa produção, mesmo na universidade pública, é feita por pesquisadores pós-graduandos que são enquadrados em regime de bolsista. Isso significa que não possuem direitos trabalhistas, apesar de efetivamente trabalharem na construção da ciência e da tecnologia no nosso país. A bolsa de pesquisa não é mais do que a precarização do vínculo do trabalho de pesquisador.

É urgente retomar o projeto de universidade pública como motor do desenvolvimento científico, tecnológico e social do país. Para isso, defendemos:

●     A pesquisa científica orientada pelas necessidades da classe trabalhadora e da soberania nacional;

●     A prioridade para projetos que fortaleçam os serviços públicos (saúde, educação, transporte, habitação);

●     A gestão democrática dos recursos e projetos de pesquisa, com controle social e participação dos trabalhadores da educação e da ciência

●     Reconhecimento da pesquisa, assim como as atividades de estágio, como trabalho, a serem fiscalizados e regulados de acordo com a CLT e garantia de todos os direitos.

As várias medidas que elencamos acima apontam para um único objetivo: a criação de um modelo de universidade radicalmente oposto ao modelo da universidade no capitalismo. São medidas que podemos conquistar, no capitalismo, com a força do movimento estudantil e sua ligação com o movimento dos trabalhadores, mas que apontam não apenas para uma ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores e estudantes, mas também para uma completa reorganização do papel da educação na sociedade, ou seja, uma reorganização do modo de produção.

Por isso, a Universidade Popular que defendemos não pode se resumir a essas medidas consideradas isoladamente– precisa ser uma universidade 100% a serviço da classe trabalhadora, o que só é possível no socialismo. Daí porque, para nós, a conexão entre o programa que defendemos para a  sociedade e o programa que defenderemos para a educação é tão fundamental.

E no que consiste a Universidade Popular? A União da Juventude Comunista, em seu IX Congresso, define a Universidade Popular como:

a) Uma instituição não mercantilizada, tendo seus esforços de ensino, pesquisa e extensão definidos a partir do conhecimento crítico, e das necessidades e potencialidades da classe trabalhadora e dos povos oprimidos do Brasil, do desenvolvimento do bem-estar da população, da edificação do socialismo, numa perspectiva anti-imperialista e de soberania popular científica e tecnológica;

b) Estatal, gratuita, secular, presencial, com alto compromisso tecnológico, científico e social de acesso universal. O sistema universitário público deve passar por uma franca expansão com o objetivo de universalização e descentralização do ensino superior e reformulações estrutural e curricular, balizada, necessariamente, pelo cumprimento de sua função social e pela garantia de políticas de assistência e permanência estudantil estruturais, que assegurem a permanência plena dos estudantes no Ensino Superior de forma a contemplar as necessidades econômico-culturais, combatendo a perspectiva meritocrática e bolsificada;

c) Amplamente democrática, entendendo que, por ser uma instituição complexa, sua condução deve ser exercida de forma colegiada, através de Conselhos Populares, estruturados desde o âmbito local até nacional, e paritária entre docentes, estudantes e técnicos administrativos, excluindo qualquer desproporcionalidade, listas tríplices, intervenções estaduais, com respeito a suas características intrínsecas e contemplando todos os segmentos que estudam e trabalham no meio universitário, assim como as principais representações da classe trabalhadora, como sindicatos, associações de bairro e movimentos sociais;

d) Financiada exclusivamente pelo orçamento estatal, sem intervenção da iniciativa privada, seja através de fundações de apoio ou organizações sociais, garantidos os recursos para sua correta manutenção e sua franca expansão;

e) Em substituição ao modelo atual, deve ser criado o Sistema Nacional de Universidades Autônomas, sem controle ou direcionamento político da burguesia, expressos tanto pelo Estado quanto por outras instituições capitalistas. A autonomia das instituições de Ensino Superior desse sistema, controlado por um Conselho Nacional das Universidades Populares, deve trabalhar para garantir a produção de ciência e tecnologia de acordo com os interesses e necessidades dos trabalhadores da cidade e do campo e dos setores oprimidos da sociedade capitalista;

f) Engajada, ter papel político na luta pelas transformações sociais, contrapondo a hegemonia cultural, política e ideológica burguesa a partir de posicionamentos e iniciativas anticapitalistas e anti-imperialistas, utilizando, por exemplo, como mediações atuais a extensão popular, a discussão da teoria dos currículos e pesquisas voltadas para o interesse da classe trabalhadora, além de visar à socialização do conhecimento científico e à consequente superação da divisão entre trabalho manual e intelectual, além de pautada pela solidariedade internacionalista, em constante debate com sistemas universitários de experiências socialistas;

g) A luta por uma universidade popular está vinculada ao projeto de edificação da sociedade socialista-comunista, a partir da superação do capitalismo e para a construção da nova sociedade, sustentada técnica e cientificamente por sua capacitação interna;

h) Um instrumento que entende o conhecimento popular como todo aquele que é produzido pela e para a classe trabalhadora visando a sua autonomia, a fim de atender às suas demandas e rompendo com as ideias da classe burguesa, quebrando assim a dicotomia, criada por essa sociedade, entre o conhecimento apropriado pela academia e o criado pelas pessoas à sua margem, ressaltando que esse conhecimento está no contexto de uma sociedade em que a burguesia e suas ideias dominam e apontando para uma sociedade dominada pela classe trabalhadora. Portanto, o sentido é erigir uma instituição que tenha o trabalho como princípio e processo para a construção do conhecimento.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

A União Nacional dos Estudantes (UNE) tem, em sua história, o legado de ser uma das principais ferramentas de organização da juventude brasileira em defesa dos direitos sociais, da educação pública e da classe trabalhadora. Contudo, ao longo das últimas décadas, a entidade foi progressivamente subordinada a uma estratégia de conciliação de classes que reduziu sua capacidade de mobilização real. A UNE transformou-se em linha auxiliar dos governos de turno, em especial dos governos de conciliação liderados pelo PT, e se afastou das bases estudantis.

A atual gestão da entidade, vinculada politicamente ao governo social-liberal de Lula-Alckmin, limita-se a reproduzir um discurso crítico moderado, enquanto, na prática, evita qualquer mobilização que possa tensionar o governo. Diante dos cortes na educação, da manutenção do Arcabouço Fiscal, da ameaça aos pisos constitucionais e da continuidade da precarização do ensino público, a UNE atua de maneira performática, restrita aos gabinetes, incapaz de organizar lutas concretas.

Esse processo também se expressa na estrutura organizativa da entidade. Não existem espaços reais de debate político; os congressos e fóruns estudantis são instrumentalizados para reforçar a hegemonia da ala majoritária da diretoria, através de processos marcados por fraudes, inflamento artificial de delegados e esvaziamento da participação crítica. Não há campanhas nacionais unitárias e as decisões são tomadas em círculos fechados, desconectados das bases estudantis. A UNE hoje funciona como uma correia de transmissão da política social-liberal para o movimento estudantil, blindando o governo e buscando desmobilizar qualquer iniciativa de enfrentamento real aos ataques em curso.

A presença das forças à esquerda da atual direção majoritária compôs, nos últimos ciclos de mobilização do movimento estudantil, aquilo que passou a ser identificado como campo da Oposição de Esquerda — espaço em que atuamos ao lado de setores do PSOL e do Movimento Correnteza. Avaliamos que essa construção teve papel relevante na consolidação, em escala nacional, de uma unidade que enfrentou a orientação liberal e inerte da direção da UNE, denunciando seus limites, fazendo pressão política e organizando, desde a base, as principais mobilizações em defesa da educação pública. No entanto, ainda que tenha exercido um papel decisivo na reativação da UNE como instrumento de luta, a Oposição de Esquerda, enquanto articulação de rejeição à majoritária, não se traduziu num polo político de afirmação estratégica — algo que se expressa, de maneira ainda mais nítida, com a incorporação da Juventude Sem Medo/PSOL ao campo majoritário e à lógica de apoio acrítico ao governo Lula-Alckmin, sob a justificativa de que “não há mais razão para fazer oposição na UNE”.

Essa necessidade sequer existiria se a direção da entidade tivesse um posicionamento firme contra os ataques do atual governo federal, que dá continuidade à aplicação da agenda da burguesia para a educação; promove leilões e processos de privatização nos setores de transporte público, saneamento, escolas e presídios; e retira direitos previdenciários e assistenciais elementares das parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora, como no caso dos cortes no BPC e no abono salarial, além do teto para o aumento do salário mínimo. Diante disso, os setores que hoje constroem a Oposição devem ir além da simples disposição para o enfrentamento: é preciso construir a independência política da classe trabalhadora frente a qualquer governo e organizar a luta contra o próprio sistema capitalista. Reconhecemos na  direção majoritária da UNE um obstáculo estratégico para essa tarefa.

Durante muito tempo, com receio de fazer uma crítica firme ao governo Lula-Alckmin, a oposição se acomodou no papel de alternativa “mais combativa” frente à maioria. Mas isso não basta. A unificação desses setores socialistas que defendem a independência de classe dos trabalhadores precisa se dar não apenas pela rejeição ao que representa o bloco majoritário, mas sim pela construção de um projeto distinto de educação e sociedade — que seja autônomo frente aos governos, crítico à política econômica do lulismo e guiado pela perspectiva socialista revolucionária. Nos últimos meses, houve uma aproximação política valiosa entre os setores que compõem a oposição, organizando plenárias unificadas, notas e atos em conjunto. Acreditamos que esse é o caminho que devemos seguir e aprofundar.

Fica nítido que a construção de uma nova maioria estudantil, combativa e comprometida com o socialismo, não se dará por meio de alianças oportunistas em momentos específicos, mas sim por um processo de reconstrução desde a base, impulsionando lutas conjuntas, com abertura ao diálogo e à participação. É preciso romper com a prática de buscar meras vitórias eleitorais às custas de uma construção política coerente e consistente. A confiança entre as organizações e, mais importante ainda, por parte do conjunto dos estudantes em torno dessa alternativa, só pode ser construída sobre relações fraternas, baseadas no companheirismo e em projetos compartilhados. Todos os setores realmente engajados na construção de uma UNE independente politicamente e crítica ao projeto burguês de destruição dos direitos da classe trabalhadora devem somar-se a esse esforço. As divergências de linha e programa precisam ser respeitadas, com o compromisso constante de buscar convergências no enfrentamento tanto à extrema-direita quanto ao social-liberalismo "progressista", que perpetua os interesses burgueses e atua para conter a mobilização dos trabalhadores e estudantes.

A tarefa que se coloca é fortalecer a presença militante nos Centros e Diretórios Acadêmicos, nos Diretórios Centrais de Estudantes e nas Uniões Estaduais de Estudantes, articulando campanhas e programas de luta que partam das demandas concretas da juventude, mas que apontem para uma transformação estrutural da universidade e da sociedade. É necessário enfrentar o hegemonismo do campo majoritário, que, ao contrário do que aparenta, só possui unidade porque está completamente subsumido à lógica do governismo e da conciliação de classes.

O movimento estudantil precisa romper definitivamente com a ilusão institucionalista. A UNE deve retomar seu papel histórico de ferramenta de organização e luta contra os ataques da burguesia, contra a precarização da educação, contra o projeto neoliberal em curso, e em defesa de uma nova sociedade, construída a partir do poder dos trabalhadores.

Disputar o presente e construir o futuro significa, para nós, não apenas formular alternativas: significa organizar, mobilizar e lutar para transformar a realidade concreta. É nesse caminho que a União da Juventude Comunista continuará empenhada, em cada sala de aula, em cada assembleia, em cada espaço de resistência.

CONCLUSÃO

O 60º Congresso da União Nacional dos Estudantes acontece em um momento histórico de grandes desafios e definições. A crise do capitalismo se aprofunda no mundo inteiro, as condições de vida da juventude trabalhadora se deterioram e a extrema-direita segue buscando organizar o descontentamento popular em torno de suas aventuras golpistas e belicistas. No Brasil, apesar da derrota eleitoral do bolsonarismo, os ataques da burguesia seguem avançando com apoio do governo Lula-Alckmin, impondo à nossa geração o desafio de retomar o caminho da mobilização popular e da construção de uma alternativa revolucionária.

A UNE, que deveria estar na linha de frente dessa tarefa, permanece amarrada ao governo, atuando como instrumento de apassivamento e semeando ilusões no movimento estudantil, e não como ferramenta de luta. A falência do atual programa político da ala majoritária da direção da entidade e os limites da oposição impõem à União da Juventude Comunista a responsabilidade de reconstruir, nas bases, uma nova maioria combativa, classista e socialista no movimento estudantil.

Disputar o presente significa romper com o governismo, organizar a luta contra o capitalismo, levantar a bandeira da Universidade Popular, lutar pelo fim do vestibular, pela universalização da permanência estudantil e pela redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução de salários. Significa também construir, desde já, os instrumentos de resistência e organização popular que possam acumular forças para a superação revolucionária do capitalismo.

Construir o futuro é forjar no presente a consciência, a organização e a luta necessária para uma nova sociedade: uma sociedade onde a educação não seja mercadoria, o trabalho não seja exploração, e onde a vida humana não seja subordinada ao lucro. Isso só é possível quando a classe trabalhadora, em unidade com as camadas exploradas e oprimidas do povo, e apoiada de perto pelo movimento estudantil, tomar o poder de Estado, fizer a Revolução Socialista no Brasil e construir o socialismo-comunismo.

Por isso, reafirmamos nosso mote neste Congresso: Disputar o presente, construir o futuro: UNE na luta pela Universidade Popular e pela redução da jornada de trabalho.

É com essa disposição e com essa perspectiva que a União da Juventude Comunista apresenta suas teses ao 60º Congresso da UNE.