POIS QUE HERANÇAS DEVEMOS REIVINDICAR – E O QUE DE NOVO PRECISA SURGIR

POIS QUE HERANÇAS DEVEMOS REIVINDICAR – E O QUE DE NOVO PRECISA SURGIR

Por Euclides Vasconcelos – Secretário de Organização Nacional da UJC e militante do PCB em Pernambuco.

Vimos circular, nos últimos dias, uma sequência de artigos que debatem os rumos do nosso ainda desorganizado movimento. Instigado pelos “pensamentos em voz alta” do Secretário Geral do Partido Comunista da Turquia (TKP) [1], o camarada Carlos Newlands Jr., o nosso “Boné”, lançou a público as suas próprias reflexões e chamou-nos à responsabilidade: que renúncias precisamos fazer em matéria internacional)? [2]. Abriu-se então uma fértil (e já frutífera) arena de debates. Do fio puxado teceram também suas reflexões os camaradas Ivan Pinheiro e Gabriel Landi Fazzio. O velho Ivan, em franco contraponto a Boné, discute os desvios que, apontados por esse, seriam (e se seriam) centrais nas articulações e divisões entre os comunistas de todo o mundo [3]. Provocado pelas insuficiências das exposições deste último sobre a “questão LGBT”, o camarada Landi tratou de respondê-lo e complementá-lo [4].

O próprio texto do turco Kemal Okuyan por sua vez uma intervenção na principal peleja em curso entre os comunistas do mundo: o caráter da guerra na Ucrânia e o papel dos comunistas. Esse tema ensejou um embate que venho observando com atenção, a troca de “cartas” e notas entre o Partido Comunista da Grécia (KKE) e o Partido Comunista Operário Russo (mais conhecido por sua sigla em inglês, RCWP), partidos esses que eram considerados da “ala esquerda” do MCI até que a guerra se apresentou como um grande ponto de virada à direita do RCWP. A intervenção do TKP, através de seu Secretário Geral, trata de chamar os envolvidos à responsabilidade de, em meio às contendas, preservar o que os une em nome da construção de um “pólo revolucionário” internacional, especialmente num momento em que iniciativas à direita parecem se articular diante das consideráveis modificações geopolíticas dos últimos anos.

Podemos resumir a questão entre o KKE e o RCWP recorrendo a algumas das notas mencionadas. Em resposta ao RCWP, que havia criticado a resolução de seu Comitê Central “sobre guerra imperialista na Ucrânia” [5], o KKE lança em maio de 2022 o artigo “Sobre a posição do RCWP sobre a guerra imperialista na Ucrânia” [6], onde sintetiza as problemáticas da posição do partido russo: 1. a crença de que a intervenção russa iria em auxílio do povo do Donbass e que por isso “desde que a intervenção armada da Rússia ajude a salvar o povo do Donbass da retaliação, não nos oporemos a essa verdadeira ajuda” e 2. a noção de que “o alinhamento das forças de classe é tal que ainda não nos permite considerar a classe trabalhadora um sujeito de pleno direito da política” e por isso “os comunistas no momento histórico atual na Federação Russa não têm, e até que o movimento operário cresça, não poderão ter apoio em massa dos trabalhadores”.

Tal interpretação levou o RCWP a não assinar a Declaração Conjunta de Partidos Comunistas e Operários e Organizações de Juventude Comunistas sobre a guerra, divulgada poucos dias após o início do conflito [7] numa iniciativa articulada pelo KKE, Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE), Partido Comunista do México (PCM) e TKP. Mesmo com a não assinatura do RCWP, sua juventude assinou a declaração num dissenso aberto do posicionamento do partido. Uma prévia da crise interna que se instaurou de tão brusca que foi a guinada do partido. Membros do Bureau e uma série de membros do Comitê Central se desligaram, bem como a quase totalidade de sua juventude rachou, fazendo da agora RKSM(b) uma organização à parte.

Encontramos resumida a posição RCWP numa “carta aos comunistas da Venezuela, Grécia e todos os outros países” do Secretário do seu Comitê Central onde ele conclui dizendo, em novembro do ano passado, que:

os partidos e os marxistas livrescos [destaque dele], que hoje negam a necessidade de concentrar todas as forças na luta contra a agressão dos Estados Unidos e da OTAN contra a Rússia, e que se opõem à guerra de ambos os lados e são pela mesma responsabilidade de todos os imperialistas, pedem a luta de cada partido principalmente contra seu imperialismo em cada país e podemos, até certo ponto portanto, consideramos razoavelmente essa linha como um desvio da luta, ou seja, uma linha oportunista, embora seus desejos fossem bons. [8]

Vale notar que, por coincidência ou não, após o desenrolar de um ano de guerra e a intervenção do TKP, a posição do RCWP modificou-se e de certa forma “reaproximou-se” da interpretação da “ala esquerda” sobre a guerra. Notável é a sua “Confirmação do diagnóstico – o fascismo não está sendo tratado”, de 11 de março deste ano, onde o RCWP passa a caracterizar a guerra como interimperialista (o que não fazia até então):

A guerra também é de natureza interimperialista, causada pela rivalidade das maiores forças imperialistas lideradas pelos Estados Unidos pela dominação mundial e pelo desejo de suprimir as crescentes forças do imperialismo russo, não apenas como competidor, mas como país que ousou não apenas se opor aos portadores da nova ordem mundial, mas também dar o exemplo para outros países e organizar sua posição comum por seu próprio exemplo.

Tendo mudado a caracterização da guerra, sustentam a “divergência tática” posta até então:

Os comunistas da Rússia, Ucrânia, Donbass, Belarus e seus aliados devem e irão apoiar ações para suprimir o fascismo e libertar o Donbass e a Ucrânia, mas ao mesmo tempo devem explicar a culpa do capitalismo russo e ucraniano, o papel da contrarrevolução que ocorreu na União Soviética em um desenvolvimento tão trágico de eventos.

[…]

Os comunistas de todos os países devem propagar e organizar conjuntamente a luta pelo socialismo como única forma possível de destruir o fascismo e criar um mundo sem guerras.

Esta é uma luta, em geral, para evitar a possibilidade de o conflito na Ucrânia se transformar em uma terceira guerra mundial. [9]

Nas linhas confrontadas, fica resumida a divergência central entre os dois partidos. Trata-se de um tema que, tamanha sua relevância, arrisca uma cisão num campo internacional vem sendo construído a passos contidos. É, pois, aí que se insere a intervenção do Secretário Geral do TKP que instigou tamanha discussão aqui nessas terras.

Ele nos chama atenção, corretamente, para o fato de que hoje não existe um Movimento Comunista Internacional como entendemos tal termo. Desde a queda da União Soviética e mesmo antes, o que em outro momento foi o MCI deixou de existir. Após a dissolução da URSS, iniciativas como a capitaneada pelo KKE de “reunir o que restava em torno do comunismo” surgem para tentar articular de alguma forma os comunistas desgarrados. É assim que surge o EIPCO, que já se reuniu 22 vezes desde seu primeiro encontro em 1999, na Grécia. [10]

É por isso que em seus pensamentos em voz alta Okuyan deixa aos comunistas uma convocatória que não podemos perder de vista:

Precisamos organizar um debate, um debate realmente ousado. 

Isso não deve ser entendido como um apelo para que os partidos comunistas se envolvam em um confronto ideológico dentro e entre eles. A extensão da decadência do capitalismo confronta os partidos comunistas com a tarefa de canalizar uma alternativa real o mais rápido possível.

Neste momento, não podemos nos limitar a um debate acadêmico, teórico. O que precisamos é o seguinte: estabelecer um esclarecimento dos referenciais teóricos e políticos a partir dos quais cada partido comunista atua. Não faz sentido considerar isso como um problema interno de cada partido. A interação é um dos privilégios mais importantes de um movimento universal como o marxismo.

Infelizmente, não estamos passando por um período saudável para os partidos comunistas se ouvirem e se entenderem.

O que precisamos é que todos contribuam para criar verdadeiros espaços de discussão sem rotular nenhuma outra parte.

Mesmo que existam fatos suficientes para rotular um partido, a necessidade de abster-se de fazê-lo não é uma questão de cortesia política, mas está totalmente relacionada às condições particulares de hoje.

O processo em que os partidos comunistas perderam suas referências já dura quase 70 anos. O problema é profundo demais para ser superado por tentativas prematuras de divisões ou separações. [11]

Não faz sentido, pois, falarmos em MCI sem melhor caracterizar do que se trata. Podemos e devemos falar sobre que princípios e concepções devem guiar nossas articulações e relações internacionais, estabelecendo assim quais as relações prioritárias e as iniciativas às quais iremos nos somar. Mas quais são as iniciativas agora existentes e o caráter de cada uma delas? Quem cumpre o papel de capitanear tais articulações? Em nome de quê se unem, sob nomes que podem dizer muito ou não dizer nada? Quais são as nossas referências? Que heranças reivindicamos?

Muitos termos podem se apresentar, para alguns, pela primeira vez. O EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários), por exemplo, mencionado pelo camarada Boné e, em contraponto, por Ivan, é um dos elementos centrais da discussão entre nós. Estamos todos cientes do que se trata, de seus meandros, de seu (ou seus) conteúdo político? De que forma se articulam nele os partidos e quais são os temas que ensejam as disputas (e divisões) mais encarniçadas? Temos sido providos de material formativo para balizar essas e outras questões?

Outros espaços mais recentes, como a Plataforma Mundial Anti-imperialista (PMAI), da qual fazem parte alguns partidos comunistas que também compõem o EIPCO (a exemplo do próprio RCWP), partidos social-democratas e até mesmo organizações reacionárias [12], já é um elemento que é levado em consideração entre nós?

Por interesse próprio tenho acompanhado essas e outras iniciativas mundo afora através do que por elas vem a público. Algo que me chamou atenção foi o frenético ritmo de ações da plataforma desde sua articulação no ano passado. Me chamou atenção, também, que ela tenha surgido no ano do início da guerra na Ucrânia. Por óbvio não se trata de uma coincidência, uma vez que a guerra é literalmente o primeiro ponto apresentado em sua apresentação, quando a Plataforma nos diz que

A tarefa teórica mais importante que os anti-imperialistas enfrentam hoje é a de caracterizar corretamente tanto a guerra em curso na Europa Oriental quanto as guerras iminentes no leste da Ásia (sul da Coreia e Taiwan) [destaque meu]. Sem uma avaliação correta de que tipo de guerras são, somos incapazes de formar uma política correta em resposta; somos incapazes de orientar as massas em sua luta para derrotar o imperialismo local ou globalmente. [13]

Desde a “declaração de Paris”, lançada quando do anúncio de sua articulação em outubro de 2022, foram realizados mais três encontros. Todos eles com suas respectivas declarações publicizadas. Belgrado, em dezembro de 2022, Caracas, em março desse ano e Seul, neste mesmo maio em que debatemos. Quatro encontros em menos de um ano e em todas as declarações fica nítido tratar-se de uma articulação internacional do “campo anti-imperialista” que toma parte… da Rússia e da China nos conflitos em curso e ainda por vir!

Na síntese do seu primeiro encontro, a plataforma expõe sua posição não só sobre a guerra na Ucrânia, mas sobre a reorganização que hoje acontece no sistema internacional. Nela podemos ler:

8. Que a crescente aliança entre a Rússia e a China oferece esperança ao povos do mundo [destaque meu]: esperança de uma alternativa à dominação dos EUA e à superexploração imperialista. Um forte campo anti-imperialista é a melhor defesa do nosso povo contra os planos agressivos da aliança sanguinária da OTAN – nossa melhor defesa contra a iminente ameaça de guerra nuclear. [14]

Entendo que a Plataforma aparece como uma alternativa à direita da interpretação do EIPCO, uma alternativa alinhada ao bloco Rússia-China e antes de tudo um amplificador de suas vozes no corpo morto do MCI, ou entre os “anti-imperialistas”, seja lá o que queiram dizer com isso. Não é exagero afirmar até que muitas das posições aí desenvolvidas lembram, de maneira ainda mais vulgarizada, a degeneração da II Internacional diante da guerra imperialista iniciada em 1914. Embora nem de longe o mundo de hoje seja o mundo de 1914 ou a guerra na Ucrânia seja a Primeira Grande Guerra.

Não pode nos passar despercebido o “oportunismo tático” do campo que se conformou ao redor desta posição, que muitas vezes flerta com o nacional-chauvinismo em nome da defesa de potências imperialistas intermediárias que disputam posições mais confortáveis ou vantajosas na correlação de forças global. É a isso que me refiro quando caracterizo a Plataforma como uma “alternativa à direita” ao EIPCO, mesmo que entendamos este como uma grande reunião de partidos com linhas das mais diferentes e, por isso, ainda longe do que precisamos como “MCI”.

Quando vemos que o tema da guerra impacta nas relações entre partidos, como o caso recente do KKE e RCWP, isso acontece não por coincidência, mas porque em termos e temas como esse, há posições impossíveis de serem consensuadas e que por isso dividem águas!

Não acho absurdo considerar, por exemplo, que muito mais que uma alternativa à direita, a Plataforma acabe se conformando em algum momento como um “racha” internacional sobre o tema, uma vez que dela fazem parte partidos que também compõem o EIPCO. EIPCO que em seu 22º encontro (realizado em outubro de 2022, em Havana), elaborou uma resolução sobre “a guerra imperialista no território da Ucrânia” que deixa óbvia qual é a divergência central:

Condenamos todas as ações criminosas dos representantes do capital mundial: os EUA, alianças e blocos imperialistas, a Federação Russa e os círculos governantes da própria Ucrânia, que usaram os últimos meios para resolver suas contradições na era do imperialismo – a guerra – no território da Ucrânia. No momento, essas contradições atingiram tal profundidade que parece impossível prever quanto tempo essa guerra durará.

[…]

É vergonhoso e criminoso para os comunistas de todo o mundo acompanhar os governos dos países burgueses e trabalhar para os interesses de sua burguesia nacional, para apoiar um ou outro bloco de países burgueses [destaque meu].Nossa tarefa imutável é ajudar os trabalhadores de todo o mundo a perceber que as guerras imperialistas não levam à emancipação do trabalho, pelo contrário, eles o escravizam ainda mais; que no conflito imperialista a classe trabalhadora não tem aliados entre os círculos governantes, apenas inimigos; que seus amigos são apenas os proletários, independentemente da nacionalidade que sejam. [15]

Poucas linhas postas lado a lado deixam claro qual é hoje o tema principal que mostra quem é quem!

É com isso que jogo ao chamar atenção para quais são as heranças que devemos reivindicar. Sendo a guerra a política por outros meios, diante da guerra em curso a política dos comunistas será a de uma classe ou a de um bloco de estados? As heranças que reivindicarmos dirão, em certa medida, tudo aquilo que entre nós não pode mais encontrar espaço. Ao criticar corretamente o etapismo de muitos partidos que ainda se chamam comunistas, o camarada Boné peca ao não demarcar melhor as linhas que busca traçar. Se Ivan está certo ao dizer que há sim no EIPCO partidos que carregam essa praga que acreditamos superada entre nós (basta lembrar, como fez Ivan em seu texto, que do EIPCO faz parte também o PCdoB), façamos então um exercício profundo de olhar ao nosso redor e caracterizar melhor os atores em campo e as experiências postas em prática.

Um desses atores é o Partido Comunista do Chile, que ao mergulhar de cabeça no governo Boric sem nenhum esforço de diferenciação e independência tem colecionado, como resposta às próprias ações, uma série de derrotas sequenciais. O “oportunismo tático” (novamente brincando um pouco com a ideia de “etapismo tático” e “etapismo estratégico”) é, no fim das contas, um rebaixamento da linha teórica que afeta a nível interno a tática adotada pelas organizações. O mesmo ocorre com o Partido Comunista Português, que colheu os frutos de seu apoio ao governo de conciliação da chamada “Geringonça” por meio de seu refluxo eleitoral.

Ou será que é possível separar o etapismo do reformismo aberto e vulgarizado? Podemos separar a opção e o propagandeamento da “via democrática”, por exemplo, da opção pela composição de governos burgueses que, longe de estar “em disputa” mostram desde o início a que vieram ou, quando bem dissimulam, deixam escapar em que vielas se encontrarão presos por optar uma e outra vez por velhos caminhos?

Se levarmos ao limite o rebaixamento político e teórico representado pela “ala direita” do movimento comunista em matéria internacional, fica evidente as consequências diretas do alinhamento ao bloco Rússia-China. Enquanto expressa um semblante ou um perfil de progressismo, este alinhamento automático pode representar, ao mesmo tempo, abraçar acriticamente as contradições do PSUV na Venezuela, ou até mesmo considerar a posição chinesa (fielmente defendida por teóricos da social-democracia brasileira, como o PT ou PCdoB) sobre a tomada do poder pelo Talibã afegão como algo perto de uma insurreição anti-imperialista.

Em matéria nacional, não é de se estranhar como esse alinhamento é defendido pelo social-liberalismo e pela social-democracia. Quase como uma decorrência lógica ou, no mínimo, como uma opção razoável, o produto desse anti-imperialismo “difuso” e desse rebaixamento estratégico e tático, defendido pela ala direita do movimento comunista, parece querer reabilitar as posições do renegado Kautsky. No plano nacional da luta de classes, trata-se justamente da velha tática de conciliação de classes. Vejam, camaradas! É a esse nível que os temas nacionais e internacionais se entrelaçam!

A verdade é que a humanidade hoje caminha para o que pode nos lançar à completa anarquia civilizacional. Outra guerra europeia está em curso e outra vez a Europa se empenha em tornar mundiais os seus conflitos. A cada dia que passa, redobram-se os esforços para envolver nesta guerra ainda restrita cada um dos continentes e seus povos. Hoje pedem-nos armas, amanhã solicitarão soldados. Outrora, quando o risco de uma guerra mundial se aproximou, o movimento dos trabalhadores fervilhava em todo o mundo e a Pátria do socialismo converteu-se ao mesmo tempo em reserva, retaguarda e, por um tempo, vanguarda da luta revolucionária mundial. Hoje nossa posição é outra, mais fraca. As linhas de nosso exército mundial estão desorganizadas. Há de se verificar até se hoje tal exército existe. Por isso o inimigo é ainda mais forte.

Não podemos passar como coadjuvantes diante desses impasses. A caracterização da guerra, um passo importante, não é um ato que encerra em si mesmo. É o que vai definir onde hoje nos encontramos: se ao lado de organizações que buscam construir e coesionar cada vez mais um campo revolucionário dos comunistas de todo o mundo, ou junto aos que assumem o papel de porta-vozes, quase de representantes diplomáticos, de nações que buscam seu espaço na disputa entre os estados do globo. Não podemos, a uma só vez, estar lá e cá. Fomos muito felizes quando, em nosso recente XVI Congresso, sintetizamos em poucas linhas como, preservando nossa autonomia política, priorizaremos a construção internacional junto aos partidos do bloco revolucionário [16].

Precisamos não só entender de uma vez por todas que a luta nacional e internacional são inseparáveis, como converter em prática esse entendimento. Não por acaso o internacionalismo proletário, esse tema que nos acompanha desde a primeira vez que a foice e o martelo passou a representar os comunistas, é sempre posto em cheque diante das guerras imperialistas. Do contrário, continuaremos aquém do papel de vanguarda que reivindicamos ao chamar-nos a nós mesmos de marxistas-leninistas. Este texto, antes de tudo uma provocação, levanta mais perguntas que respostas. E assim o é por um motivo simples: ao discutir nossas renúncias e reivindicações, precisa estar clara a arena sobre a qual essa luta se desenrola. Do contrário estaremos por demais concentrados na árvore e perderemos de vista a floresta! Se for esse o caso, por mais justas que forem as posições e sinceros os pronunciamentos, as discussões correm o risco de não se converterem em ganhos efetivos. E isso significa uma derrota.

Sinto falta, e acredito não ser o único, de maiores discussões sobre esses temas. Isso talvez se deva pelo ainda pouco entendimento da militância do estado atual das coisas, do que está em jogo e de quais posições podem ser tomadas. Ou por outras razões. Mas a verdade é que só a partir de uma longa discussão poderemos (pois acredito que seja esse o desejo comum) ensejar contribuições próprias à “Reconstrução Revolucionária” do MCI, para usar um termo que nos é bastante caro há pelo menos 30 anos. Reconstrução que em algum momento precisa desaguar numa nova Internacional. Por agora, saúdo a feliz iniciativa dos membros do Comitê Central de colocar este tema na ordem do dia e sobre ele formular sem trégua. Acredito ser esse o caminho da unidade duradoura. Lembremos sempre do velho Lênin: não somos tão frágeis assim para ter medo de levar porrada! [17].

[1] Kemal Okuyan: Pensando em voz alta sobre o “movimento comunista internacional”, 3 de fevereiro de 2023. <https://lavrapalavra.com/2023/02/23/tk_mci/>.

[2] Carlos Arthur Newlands Jr. (Boné): A que heranças o Movimento Comunista Internacional deve renunciar?, 8 de abril de 2023. <https://pcb.org.br/portal2/30248>.

[3] Ivan Pinheiro: Desvios político-ideológicos que o MCI deve superar, 15 de abril de 2023. <https://pcb.org.br/portal2/30390>.

[4] Gabriel Landi Fazzio: A questão LGBT e as divergências no Movimento Comunista Internacional, 16 de abril de 2023. <https://pcb.org.br/portal2/30401>.

[5] KKE: Resolução do CC do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia, 9 de março de 2022. <https://inter.kke.gr/en/articles/RESOLUTION-OF-THE-CENTRAL-COMMITTEE-OF-THE-KKE-ON-THE-IMPERIALIST-WAR-IN-UKRAINE/>.

[6] KKE: Sobre a posição do RCWP sobre a guerra imperialista na Ucrânia, 10 de maio de 2022. <https://inter.kke.gr/en/articles/On-the-stance-of-the-RCWP-on-the-imperialist-war-in-Ukraine/>.

[7] KKE, PCTE, PCM e TKP: Ugente! Declaração Conjunta dos Partidos Comunistas e Operários, Não à guerra imperialista na Ucrânia!, 3 de março de 2022. <http://www.solidnet.org/article/Urgent-Joint-Statement-of-Communist-and-Workers-Parties-No-to-the-imperialist-war-in-Ukraine/>. Em português no site do PCB: <https://pcb.org.br/portal2/28493>.

[8] Viktor Tyulkin (Secretário do Comitê Central do RCWP): Sobre bons desejos e alguns erros dos camaradas gregos, 27 de novembro de 2022. <https://ркрп.рус/2022/11/29/о-благих-пожеланиях-и-некоторых-ошибк/>.

[9] RCWP: Confirmação do diagnóstico – o fascismo não está sendo tratado, 11 de março de 2023. <http://www.solidnet.org/article/Russian-CWP–00019/>.

[10] A reunião de todas as declarações e demais documentos dos encontros do EIPCO podem ser encontrados aqui: <http://solidnet.org/meetings-and-statements/imcwp/>.

[11] Kemal Okuyan: Pensando em voz alta sobre o “movimento comunista internacional”, 3 de fevereiro de 2023. <https://lavrapalavra.com/2023/02/23/tk_mci/>.

[12] Partido Comunista do México (PCM): Nota sobre la Reunión en Caracas de la “Plataforma Mundial Antiimperialista”, 3 de março de 2023. <https://elmachete.mx/index.php/2023/03/03/nota-sobre-la-reunion-en-caracas-de-la-plataforma-mundial-antiimperialista/>.

[13] Plataforma Mundial Anti-imperialista: Sobre a plataforma. <https://wap21.org/?p=749>.

[14] Plataforma Mundial Anti-imperialista: Declaração de Paris, 14 de outubro de 2022. <https://wap21.org/?p=566>.

[15] 22º EIPCO: Resolução sobre a guerra imperialista no território da Ucrânia, 7 de novembro de 2022. <http://solidnet.org/article/22nd-IMCWP-RESOLUTION-on-the-imperialist-war-on-the-territory-of-Ukraine/>.

[16] Resoluções do XVI Congresso Nacional – Programa de lutas para a implementação da estratégia socialista no Brasil: 130. O PCB respeita a diversidade de opiniões existente no atual Movimento Comunista Internacional e busca estabelecer um diálogo com todos os partidos comunistas do mundo, para trocar avaliações acerca dos processos políticos em curso e coordenar ações comuns contra a ofensiva burguesa. No entanto, o PCB deve privilegiar aproximações e ações políticas com os partidos do bloco revolucionário, que se articulam em espaços como a Iniciativa Comunista Europeia e a Revista Comunista Internacional, preservada a nossa autonomia política.

[17] Vladmir Lênin: Carta a Apollinaria Iakúbova, 26 de outubro de 1900.