Nota política - A UFRGS caminha para a Serra Gaúcha: "inovação e coragem" ou sucateamento a serviço da burguesia?

A expansão deve ocorrer com qualidade, garantindo e compreendendo que as estruturas já existentes da UFRGS precisam também ser refundadas, consolidadas e reconstruídas — a integração da UFRGS neste âmbito está muito aquém da que precisamos.

Nota política - A UFRGS caminha para a Serra Gaúcha: "inovação e coragem" ou sucateamento a serviço da burguesia?

Nota política da UJC na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Introdução

As universidades federais brasileiras representam a maioria absoluta em produção científica quando comparadas com as particulares, pois precisamente seu caráter público, estatal, gratuito, possibilita que o Estado possa investir na sua produção — ainda que o conteúdo desta ainda se encontre permanentemente em conflito entre os interesses das diferentes classes no Brasil. É por essa relevância que o tema da expansão do ensino superior público para a Serra Gaúcha se torna fundamental: as vagas de ensino superior público são muito pequenas, quando comparadas com a do setor privado, sendo garantido este acesso por meio da UERGS e IFSUL. Por isso, a proposta de expansão da UFRGS para Serra Gaúcha, visando suprir essa demanda ainda faltante, pode parecer como um primeiro passo rumo à democratização do acesso à universidade e da produção científica voltada para a região.

Ao nos depararmos com o projeto, é importante que possamos identificar os diferentes interesses em jogo neste cenário, afinal, o projeto também está inserido em uma disputa de interesses entre diferentes setores das variadas classes que se inserem na UFRGS. Nesse texto será feito precisamente isso: tiraremos toda a neblina e iremos expor as tendências e consequências do andamento desse processo de expansão rumo ao interior.

Uma demanda histórica, uma luta histórica!

A federalização do ensino superior foi parte de um longo processo de expansão do ensino superior, representando a concretização do interesse de diferentes classes ao longo do século XX, iniciando-se com a criação da Universidade do Rio de Janeiro (URJ, que viria ser reorganizada a partir de 1965 UFRJ) por meio da junção das já existentes Escola Politécnica, de Medicina e de Direito. Este processo de reunir escolas e universidades, como resultado das negociações entre os diferentes estados, regiões, o estado brasileiro e as elites locais/regionais é a característica basilar da construção do sistema de ensino superior público brasileiro — resultando nas mais diversas origens para a mesma nomenclatura: a universidade federal. Neste século, o avanço da iniciativa privada na educação foi construído pelo neoliberalismo e sua lógica de austeridade, e de medidas que injetaram recursos em instituições de ensino superior privada como o PROUni e o FIES – que são consolidados na forma dos “Tubarões da Educação” (grandes empresas privadas da educação, como a Kroton-Anhanguera) –, com o número de instituições de ensino privadas sobre um salto a partir do fim da década de 1990, saindo de 684 em 1995 para 2595 em 2022, enquanto as instituições públicas sairam de 210 em 1995 e foram para 312 em 2022.

Segundo Pase, Nunes e Brito (2024), a expansão do ensino superior no Rio Grande do Sul pode ser compreendida em três fases: I. Até a década de 1970, ela ocorreu por meio principalmente da federalização de instituições de ensino superior privados, comunitários ou públicos (UFRGS, UFSM, UFPel e FURG); II. Com a criação da UERGS, que espalha-se por todo o Estado; e III. Ocorreu entre 2007 e 2012, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que voltou-se para a criação de novos campi para universidades federais já existentes (neste contexto, nasce o Campus Litoral Norte da UFRGS, que foi elemento de disputa entre lideranças políticas de Tramandaí e Osório, fazendo com que o campus fosse posto no limite entre os dois municípios).

Neste contexto de consolidação e transformações do sistema de ensino superior no Brasil, a demanda pelo acesso ao ensino superior público na Serra Gaúcha é uma luta histórica, ainda que com poucos registros para além da história oral. Entre a década de 1970 até a década de 1990, houveram uma série de tentativas de federalizar a Universidade de Caxias do Sul (UCS) que nunca resultaram em um sucesso, seja por impossibilidade política, financeira ou legal — pois após a promulgação da Constituição de 1988 já não era possível federalizar universidades sem que o corpo docente passasse por um concurso público. Entre greves e mobilizações em Brasília, a federalização da UCS era pauta central do movimento estudantil da região neste período.

Com a virada do século, em face das mudanças institucionais da Nova República, a expansão do ensino público ofertado na região foi suplantado por outros modos, como a expansão da UERGS e do IFRS para Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Hortênsias, Farroupilha, Vacaria, Feliz e Veranópolis – ainda que existissem demandas de setores do movimento estudantil pela federalização da UCS. Mesmo com esta expansão, permanece uma desproporcionalidade na oferta de vagas entre as instituições privadas e públicas: haveria no total 1560 vagas públicas, enquanto anualmente a UCS, a Faculdade da Serra Gaúcha (FSG), o Centro Universitário Uniftec (UNIFTEC) e Faculdade Fátima – apenas as quatro maiores instituições de ensino superior privado da região – ofertam 6920 vagas

Como se articulou a atual proposta? Mais de uma década de negociações, organizando grandes interesses

É neste contexto que a atual proposta de expansão da UFRGS para a Serra Gaúcha nasce como a possibilidade de estabelecer uma instituição de ensino superior federal na região. Ainda em setembro de 2011, o então prefeito de Caxias do Sul: José Ivo Sartori (ex-governador do RS) participou da primeira audiência pública para tratar da instalação de um campus da UFRGS na Serra Gaúcha, com a presença do então vice-reitor da UFRGS Rui Oppermann e de Waldemar de Carli, prefeito de Veranópolis e então presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne) – organização que realiza a articulação política de municípios da região.

Ao longo dos próximos anos, tal projeto avançou. Em 2013, Diogo Segabinazzi Siqueira, então prefeito de Santa Tereza e presidente da Amesne, se reuniu com Rui Oppermann e apontou que esse processo de audiências públicas conseguiu definir “as demandas prioritárias que o campus deveria atender” e que haveriam “elementos e dados suficientes para identificar as necessidades e os municípios que teriam condições de receber a Universidade”, demonstrando a disposição política das prefeituras da região. A partir da atuação de Rafael Bueno (ex-PCdoB, agora filiado no PDT), então presidente da Comissão Pró-Universidade Pública Federal em Caxias do Sul, o projeto toma algumas formas hoje conhecemos: neste mesmo ano, ele defende que o Campus 8 fosse cedido pela UCS para a instalação da UFRGS, declarou como obsoleta a federalização da UCS e que os cursos das áreas do campo e da metalurgia seriam prioridade da UFRGS tendo em vista a economia da região.

Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Foto por: Adroaldo de Souza Pinto – Acervo UCS.

Com a profunda modificação na conjuntura nacional a partir de 2013, como o golpe em 2016 e com a eleição de Bolsonaro em 2018, tal projeto é deixado de lado e a Reitoria-interventora apontada em 2020 não trataria sobre o tema. Ao invés disso, priorizou-se a articulação da Aliança para Inovação da Serra Gaúcha com universidades já existentes na região (UCS, IFRS e UERGS), que tinha como figura representativa neste espaço Geraldo Jotz, ex-pró-reitor da PROIR – a operadora do desmonte da universidade durante esta gestão.

Tal aliança tomou como exemplo o Pacto Alegre, articulado entre UFRGS, PUC e Unisinos, por meio da Aliança para Inovação em Porto Alegre, e Badesul, Banrisul, Sicredi e o Grupo RBS, ainda sob a reitoria de Rui Oppermann, que coloca como objetivos “transformar a região em referência internacional no ambiente de inovação, conhecimento e empreendedorismo” e um “trabalho conjunto das três universidades que tem na visão de futuro a construção de um ecossistema mais acolhedor, melhor para empreender e viver [...] oferecer oportunidades inovadoras para formar e atrair talentos, o movimento de mudar a região, visa engajar a sociedade, além de outras instituições, poder público, empresas e associações”, ou seja, em articulação com a burguesia da cidade, voltar a universidade, sua produção científica e de profissionais para os interesses da burguesia gaúcha e todas as iniciativas de “inovação” que os governos municipal e estadual levam a cabo.

Apesar da UFRGS não levar a cabo este projeto, por iniciativa de parlamentares de Caxias do Sul esta expansão foi abarcada pelo Plano Participativo Plurianual de 2024-2027, de modo que se inseriu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC ou Novo PAC). Este PAC abarca três modalidades de investimento: I. Consolidação e Reestruturação das Universidades Federais; II. Expansão da Rede Federal de Universidades; e III. Retomada, conclusão e novas obras em Hospitais Universitários Federais. A UFRGS se inseriu nas duas primeiras modalidades, com a Consolidação e Reestruturação das Universidades Federais sendo voltadas para “Estruturas acadêmicas do Campus Sede Centro (HCPA), Infraestrutura e urbanização do Campus Sede e” Salas de Aula da Faculdade de Direito” (no valor total de R$ 37.5 milhões), restringindo os investimentos a partes do Campus Centro, e a Expansão da UFRGS para Caxias do Sul sendo abarcada pela segunda modalidade (no valor total de R$ 50 milhões).

Tais quantias de dinheiro investidas desse modo são revoltantes quando refletimos sobre a realidade de nossa universidade: é apenas o Campus Centro que tem demandas por uma consolidação e reestruturação? Não enfrentamos diariamente as mais diversas problemáticas de infraestrutura em outros campi – em uma situação muito pior que parte do Campus Centro? Não temos demandas mais estruturais nas unidades já existentes, desde a necessidade de mais salas de aula em todos os campi como também a consolidação de novas Casa de Estudantes e a reestruturação das já existentes? E, para piorar, quase o dobro do valor foi destinado para a construção de um novo campus na Serra Gaúcha, enquanto ainda temos enchentes em cada campus a cada chuva que ocorre, enquanto não temos um ônibus intercampi em Porto Alegre, enquanto muitos cursos ainda se mantém inacessíveis à classe trabalhadora devido a incapacidade estrutural da universidade de abarcar este setor em sua lógica de funcionamento.

O absurdo é decorrente da atual lógica do governo federal, que destina parcelas de seu orçamento em alinhamento com os interesses das elites políticas de sua base de apoio e às burguesias regionais visando (inutilmente) cooptá-las para si, e não no diálogo, na presença e na compreensão das demandas que a classe trabalhadora possui para o ensino, que não compreende o que a juventude trabalhadora que se insere nas universidades demanda.

Tais projetos foram retomados pela UFRGS e estão sendo levados a pleno vapor pela Reitoria de Márcia Barbosa e Pedro Costa, que em momento algum demonstraram disposição de enfrentamento a isto, ou de questionarem a limitação do investimento público feito pelo governo federal. Ao invés disso, a Reitoria trata com absoluta acriticidade tal projeto e o propaga como uma vitória de sua gestão. Pedro Costa chegou a afirmar inclusive que a luta de classes está presente no orçamento público (!) e conseguirmos este novo campus representa uma vitória, isso enquanto justifica o processo de redestinar possivelmente parte do orçamento de unidades, como o Instituto de Psicologia, Serviço Social. Saúde e Comunicação Humana (IPSSCH).

Tal possibilidade se apresenta pois a Reitoria reconhece um problema fundamental mas não aborda enquanto o absurdo que é: o orçamento a disposição agora é muito inferior ao que este projeto se propõe a fazer. A Reitoria apresentou duas opções para alocar esse novo campus: I. o projeto histórico de aquisição do Campus 8 da UCS, o que custaria cerca de R$ 32 milhões a aquisição e cerca de R$ 100 milhões as obras e instalações necessárias, num local afastado da cidade mas que conseguiria abarcar o objetivo posto de 2.800 estudantes em cinco anos; e II. Prédio no centro de Caxias, utilizado no passado por uma faculdade privada, custando cerca de R$39 milhões a aquisição e cerca de R$3,5 milhões as obras e instalações, com capacidade de comportar 1.300 estudantes.

Pedro Costa nesta apresentação deu a entender que seria possível alocar tais recursos até para os campi já existentes, mas é uma falácia pois no mesmo momento complementa afirmando a necessidade de busca de mais prédios com a finalidade de alocar os 1.500 estudantes que faltam. Porém, ele vai além e reconhece: caso faltem recursos e servidores no Campus da Serra Gaúcha, há uma possibilidade considerável de que sejam transferidos de outras regiões para suprir a falta.

Será que a Reitoria sabe (ou prefere ignorar que) as unidades já estão sobrecarregadas de trabalho, que os departamentos já existentes sofreriam muito em sua capacidade de trabalhar na realização destas medidas? Sabemos que nos corredores da Reitoria certas opiniões correm soltas e afirmam possíveis alvos destes cortes e giros. Nisso se inclui aquele que é considerado um “projeto falho” pela atual gestão: o Campus Litoral Norte. Sabemos que nos corredores passa o seguinte cálculo: o número de matriculados nos cursos do Litoral Norte são muito inferiores ao número de vagas ofertadas. Diante disso, deveria ocorrer uma ampla análise, buscando compreender o que fazer para transformar esse cenário, apontando soluções que dialoguem com a região, suas necessidades e demandas, compreendendo por meio de uma investigação multifacetada como mudar esse cenário. Porém, sabemos que a medida são medidas “estéticas” como a mudança de nomes de alguns cursos e a noção de que o projeto é muito maior que a capacidade da região de abarcar.

O que representa, na prática, a atual proposta levada a cabo pela Reitoria de Márcia Barbosa e Pedro Costa?

Como vimos, a Reitoria se coloca enquanto operadora deste projeto, se dispondo a manter a qualquer custo o avanço rumo a Serra Gaúcha. A expansão da educação superior pública para a região, aqui incorporada pela abertura de um campus da UFRGS em Caxias do Sul, é mais que necessária para a universalização do ensino e da produção de conhecimento de qualidade. Soma-se a isso que, ao olharmos para essa região do estado, constatamos que a presença deste tipo de ensino ainda é ofertada principalmente pelo setor privado, ou seja, mesmo com, por exemplo, a presença da UERGS e do IFSul, ainda é insuficiente e leva a maioria das pessoas ao ensino privado, seja presencial ou não, ainda que essas instituições ofereçam um ensino de qualidade duvidosa resultando que estes não terão a melhor qualidade de ensino e, ainda pior, que possivelmente ainda depende da capacidade de pagar seu próprio estudo.

Portanto, a expansão da UFRGS para essa região tem a capacidade de promover um ensino superior de qualidade e gratuito, numa capacidade que ainda não existe atualmente. Contudo, o projeto da forma que está sendo guiado pela atual reitoria da universidade esconde as relações conflituosas de interesses entre, por um lado, promessas eleitorais e a burguesia regional, por outro. Não é de hoje que o discurso polido daqueles que exercem cargos importantes no rumo da educação brasileira tem como norte o assim chamado progresso, ilustrado aqui nesse caso pelo avanço da acessibilidade com a construção de um novo campus, porém, esbarra nas políticas de austeridade que são implementadas a mais de uma década neste país, ficando evidente que a tendência de cortar gastos públicos do orçamento em setores como o da educação, sendo presenciado pelas precariedade dos espaços já existentes da UFRGS, coloca novamente em questão a finalidade posta dos poucos recursos que são disponibilizados atualmente pelo Governo Federal.

Com a preocupação de pensar os limites da proposta apresentada pela reitoria, tanto no projeto em si quanto nas falas públicas da reitora e do vice-reitor, o esvaziamento das discussões é visível quando os temas giram em torno da permanência dos estudantes na instituição de ensino: pautas como a construção de Casas de Estudante, Restaurantes Universitários, ofertas de cursos noturnos para os alunos que tenham que trabalham na escala 6x1; dessa maneira, um projeto que promete viabilizar a expansão do ensino superior é fadada a reproduzir a lógica dominante em escala nacional, isto é, uma universidade para poucos, na qual o ataque das políticas neoliberais manifestam o descaso quando se trata da situação de estudantes que, após inseridos, batalham diariamente para conseguir permanecer, aproveitar de fato as oportunidades que a universidade possibilita em seu tripé acadêmico, e finalizar a graduação.

Outro fato crucial que auxilia essa compreensão na qual a tendência dos projetos educacionais do último período desembocam em uma instituição de ensino pública largada às traças, sem um auxílio real, que busque garantir a permanência dos estudantes, é a experiência do Campus Litoral Norte (CLN), inaugurado oficialmente em novembro de 2014, ainda que o plano de sua constituição teve como germe as mobilizações dos estudantes da comunidade regional no ano de 2009. Passados, assim, mais de 10 anos de sua instauração como um dos campis da UFRGS, é possível, ao analisar sua atual infraestrutura, conceber como é o processo seguido pelas práticas institucionais em um local afastado da capital Porto Alegre.

Cartazes postos pelo movimento estudantil do Campus Litoral Norte durante a Reunião Extraordinária do CONSUNI do CLN. Foto por: Diretório Acadêmico da Biologia Marinha.

Hoje em dia, afinal, sabemos da condição dos transportes para acessar a universidade naquela região, estando presentes no limite entre Osório e Tramandaí — após a disputa política entre as cidades para sediar a UFRGS —, que falham em abarcar. Além disso, há um grave problema quando tratamos da permanência estudantil, pois muitos estudantes têm de sair dos imóveis que moram para estudar durante o Verão, pois os proprietários utilizam estes locais para receber a um custo alto turistas. Diante disso, o movimento estudantil do litoral norte organizou, com apoio da gestão Retomada Popular do DCE UFRGS, uma ocupação da Antiga Colônia de Férias, em março de 2023. De modo que tempos depois, ela viria a ser entregue para a direção do CLN, porém, sem nenhum respaldo para as necessárias obras de readequação daquele espaço para constituição do Campus Litoral Norte. No dia 09 de setembro, o movimento estudantil do litoral norte deu um novo exemplo de qual é o caminho para levar a frente nossas reivindicações: ocupando o espaço no qual a Reitoria apresentaria o seu projeto de expansão para a Serra Gaúcha, durante a sessão extraordinária do CONSUNI do CLN, e obrigando que a Reitoria assinasse uma Carta de Compromisso de que deve apresentar até o final do ano, em diálogo e sob o acompanhamento ativo da comunidade acadêmica do Litoral Norte, um planejamento para a implementação definitiva da Casa do Estudante do Litoral e do Ônibus Intercampi, que consiga conectar a futura Casa, o CLN e o Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar).

Sabemos que são diversos os interesses envolvidos neste projeto de expansão. A Reitoria compreende que garantir a expansão para a Serra não apenas ressoa bem para a sua nova gestão assim como garante uma melhor posição para solicitar mais investimentos do governo federal. Este, por sua vez, visa garantir que nas eleições do ano que vem possa propagandear o número bonito da expansão de 10 novos campi por todo o país, além de garantir que seus aliados na região consigam se utilizar disso como barganha com a burguesia gaúcha e para suas campanhas eleitorais em 2026. Mas nisto tudo, resta a questão: quais são os interesses da classe trabalhadora brasileira e gaúcha?

A expansão do ensino superior público, gratuito e de qualidade para a Serra Gaúcha tem apenas um caminho verdadeiro: retomar a luta pela federalização da UCS!

A federalização da UCS é uma reivindicação histórica da região na luta pela universidade pública. A sua estrutura qualificada e consolidada é um dos fundamentos para defender esta via como a opção mais racional quando comparada com o projeto apresentado, mas a estatização da UCS também tem fundamental importância na disputa com a iniciativa privada – ainda que sua submissão a burguesia regional se disfarce no seu caráter comunitário. A hegemonia nacional das vagas ocupadas de ensino superior federal é das universidades privadas, em Caxias tem-se o mesmo cenário. Entende-se assim que travar esta disputa é travar uma disputa de classe, transformar a UCS em uma universidade soberana para com a burguesia local, com a possibilidade de disputa com os setores burguês da universidade, é a melhor forma de garantir avanços para a classe trabalhadora e os setores oprimidos de Caxias.

A expansão universitária verdadeira, aquela que é responsável pela esmagadora maioria de produção científica de nosso país, é fundamental, e claro que os comunistas defendem a universidade pública, a tese defendida nesta escrita é que universidade para satisfazer “lideranças empresariais”, como a mídia chama os burgueses locais, não representa os interesses da classe trabalhadora. Inclusive fortalece a dependência da educação ao mercado capitalista, com uma educação submetida às necessidades regionais postas pelo empresariado, e abraçadas pela reitoria, que defende que os jovens da região têm uma intrínseca “cultura para o trabalho”, forma oportunista de tratar as relações sociais que os jovens caxienses são submetidos para a sua sobrevivência. Diferente do que afirma Pedro Costa, a luta de classes não está apenas na disputa do orçamento público, mas também na disputa da capacidade de produção científica de nossas universidades, das mentes de nossos trabalhadores intelectuais, estarem voltadas para nossa soberania, para as necessidades da classe trabalhadora e dos povos oprimidos do Brasil e do mundo.

É por toda argumentação apresentada nesta escrita que apresentamos que devemos disputar este projeto de extensão, ao invés de aceitá-lo e lidar com as consequências posteriormente. A universidade pública em um país capitalista é submetida a burguesia, seja pela precarização estatal que faz com que a universidade busque parcerias público privadas, seja pelo interesse científico posto na pesquisa e extensão universitária por parte da burguesia que fornece recursos e oportunidades de trabalho para pesquisadores de áreas específicas, o que alimenta a desigualdade entre a comunidade acadêmica e a estrutura acadêmica. Assim os interesses de classes estão diariamente em conflito no espaço da educação pública, necessitando a presença forte da organização estudantil, técnica e docente para conquistar a hegemonia do poder político universitário e assim combater de forma coerente e radicalizada a educação privada e a burguesia, se diferenciando e afastando dela e não se aproximando como é de costume, prática esta que vem acumulando derrotas para a classe trabalhadora brasileira.

A luta é para que a classe trabalhadora de fato possa ingressar na universidade, com qualidade de ensino, plenamente garantida sua permanência, que sua produção se volte para as necessidades dos trabalhadores caxienses, farroupilhense, garibaldense, etc., e não a burguesia do Vale dos Vinhedos e seus aproximados. A nossa luta é pela universidade pela e para a classe trabalhadora, por uma universidade popular, que sua produção e formação se volte para si. A expansão deve ocorrer com qualidade, garantindo e compreendendo que as estruturas já existentes da UFRGS precisam também ser refundadas, consolidadas e reconstruídas — a integração da UFRGS neste âmbito está muito aquém da que precisamos. Aceitar o projeto eleitoreiro do governo federal é não ter a autonomia que enquanto movimento devemos ter. E é por isso que não aceitaremos a expansão precarizada.