Nota política: A juventude não é a culpada pela crise da educação: a demagogia da Lei 15.100/25
Não podemos aceitar a vilanização juvenil como saída pros nossos problemas. Muito menos devemos nos conformar ao velho projeto burguês de escola disciplinadora: não uma escola do povo, mas uma escola para formar mão de obra obediente, calada e explorável.

Nota política da União da Juventude Comunista (UJC)
A aprovação da Lei nº 15.100/25, que proíbe o uso de celulares nas escolas, é mais uma medida ineficaz e autoritária por parte do Estado no trato com a juventude brasileira. Sob o pretexto de “melhorar o desempenho escolar” e “proteger a saúde mental de estudantes”, o projeto (em meio ao contexto da contrarreforma do ensino médio e outras medidas) abre brecha para o controle, silenciamento, disciplinamento de corpos e mentes da nossa juventude em benefício da produção de uma classe trabalhadora resignada e sem autonomia intelectual, funcional à reprodução do capitalismo.
É importante salientar, de início, que não negamos que o uso excessivo de celulares prejudica a concentração em sala de aula, bem como tem efeitos danosos sobre a saúde mental dos indivíduos. As pesquisas científicas revelam que o uso excessivo dos celulares produz impactos no sono, na concentração, no aprendizado e, no caso de crianças e adolescentes, podem afetar negativamente o desenvolvimento do cérebro de maneira duradoura, produzindo até mesmo casos considerados como de dependência.
Apesar disso tudo ser verdade, é um absurdo exagero afirmar que a raiz da crise educacional está nesse uso de aparelhos eletrônicos. Essa narrativa não passa de uma covarde manipulação da realidade. Adotando esse ponto de vista, o Estado individualiza em jovens estudantes a responsabilidade sobre os inúmeros problemas da educação brasileira, escondendo motivos estruturais que agravam crescentemente esse quadro.
A proibição imposta de cima para baixo por essa lei ignora deliberadamente os fatores que sabotam o processo de aprendizagem, como a precariedade estrutural das escolas, que por meio de sucessivos cortes e "contingenciamentos", bem como falta de planejamento consistente, não garantem o básico na maioria das unidades escolares: bibliotecas, materiais didáticos, laboratórios, espaços de cultura, esporte, lazer e em alguns casos, até mesmo uma estrutura física adequada naquilo que há de mais elementar (carteiras, lousas etc.). A isso se acrescentam as insustentáveis e precárias condições de trabalho impostas à docência, forçada a atuar em múltiplas escolas, com dezenas de turmas ou em outras disciplinas, sem tempo para planejar suas aulas, ter uma formação continuada e viver suas vidas. O adoecimento físico e emocional da categoria é agravado com o acúmulo de funções (como a própria função de fiscalização sobre os celulares) e projetos, com a retirada de direitos (como cortes no acesso aos planos de saúde) e com o descumprimento reiterado do piso salarial e dos planos de carreira.
Precisamos reconhecer que os motivos que levaram o celular a se tornar uma ferramenta de sobrevivência e fuga da realidade para milhares de estudantes não estão apenas dentro do ambiente escolar. Se é plausível afirmar que o celular leva a ansiedade e outros danos à saúde mental, é realidade também que a falta de perspectivas e outras preocupações sociais retroalimentam o uso do celular como forma de escapismo e entretenimento. Para além do aspecto individual, a dinâmica de vida e trabalho exaustivas (como a informalidade e os empregos em escala 6x1) que pesam sobre milhões de pais e mães, limitam ainda mais as alternativas de lazer e socialização para a juventude, sobrando o recurso às telas. Dessa forma, mesmo tirando os celulares das escolas, eles continuarão produzindo impactos negativos fora dela.
Fato é que a proibição é sempre a escolha mais fácil e, normalmente, a mais inútil. Na contramão do fortalecimento do convencimento, da integração e da gestão democrática das escolas, essa medida pode gerar o efeito reverso: mais conflitos entre estudantes e docentes, o uso do celular às escondidas, criação de ferramentas de controle e repressão nas escolas etc. A lei sequer busca responder a essas consequências, deixando completamente à mercê do próprio juízo das escolas a implementação das medidas. Mais uma vez, uma lei é criada e as instituições educacionais devem “se virar” para levá-la a cabo, decidindo onde os celulares devem ser guardados em segurança ou que fazer quando a regra for descumprida.
Também vale levar em conta o abismo que a lei escancara ainda mais entre as escolas públicas e as privadas: enquanto em muitas escolas privadas são disponibilizados tablets, computadores e as mais diversas ferramentas tecnológicas para estimular a pesquisa e o estudo, nas escolas públicas se aprofundará a alienação digital do corpo discente, na maioria das vezes estudando em condições precárias, em escolas mal-equipadas. Enquanto nas escolas públicas a regra será o tratamento punitivo e confiscatório, nas escolas privadas haverá maior margem de manobra e leniência.
Ainda: a proibição atinge diretamente a organização política da base estudantil. O celular, hoje, é uma ferramenta central na mobilização, articulação e comunicação dos estudantes. Em um cenário de institucionalização e controle do Movimento e de suas entidades, a proibição enfraquece a disputa por grêmios autônomos e combativos, esvazia debates e deixa estudantes mais vulneráveis no enfrentamento às opressões, como a possibilidade de gerar provas em inúmeros casos de assédio e autoritarismo que são evidenciados dia a dia nas escolas.
Apesar de nossa posição de discordância, compreendemos a posição da categoria docente em apoio ao projeto, na esperança por um alívio ao desespero do atual estado e condições em sala de aula. Entretanto, precisamos reforçar que a imposição vai na contramão das tendências pedagógicas críticas e progressistas, que defendem a educação para a autonomia. Perdemos, com essa medida, a oportunidade do debate na sociedade não apenas sobre os malefícios do uso do celular em sala de aula, da educação da juventude para seu uso críticos em tempos de fake news, mas também a oportunidade para um amplo debate sobre a educação pública em tempos de contrarreformas, militarização, privatizações e outras formas de sucateamento estrutural e de direitos. Se é certo que não se faz escolas sem professores, ela também não é feita sem o diálogo com estudantes e seus familiares. Vence, com esse projeto, a visão de uma educação policialesca.
Não podemos aceitar a vilanização juvenil como saída pros nossos problemas. Muito menos devemos nos conformar ao velho projeto burguês de escola disciplinadora: não uma escola do povo, mas uma escola para formar mão de obra obediente, calada e explorável. Uma escola que desmobiliza o potencial criador da juventude trabalhadora; que controla e cerceia, tratando estudantes como meros reprodutores e decoradores de informações, sem se prestar ao devido diálogo democrático e pedagógico para a construção permanente do conhecimento e das capacidades autoeducativas da juventude.